sábado, 5 de março de 2011

Versos de minha lavra

         (Des)concertos

No amor só quem faz
sabe a dor, o dis(sabor?).

Tal como um galã de quermesse,
você me dirige suas agulhas.
E antes que eu me feche,
suas agulhas me seduzem

Em que tempo?
Não me importa o tempo.

Não há drama?
Só no tempo vivido.
O presente não existe.

É preciso distanciar-me
vestir-me de meus
conceitos  e (des)concertos.
Para não sentir-me
ou fugir à condenação de ser-me.

Devo repudiá-lo então
como um ídolo apolíneo
que teima em converter meus sóis
em tempo de injustiça.
                     Ivanice Rodrigues de aquino



    MISTÉRIOS  (SALMO 19)


Um dia discursa a outro dia
e uma noite revela a outra noite
toda a sabedoria que há
no universo em sua glória.
sem linguagem nem palavras,
deles não se ouve som algum.


O sol vai de um a outro extremo
percorre em ouro, em púrpura
a curvatura luz do seu destino.
Como um grande herói,
ou como um noivo
que corre para a noiva,
sem que homem algum
acenda seu fogo.
E nada foge ao seu calor.

Os rios vão para outros rios
num abraço líquido
que se desfaz em mar,
água sem fim.
E não houve homem algum
que  inventasse o rio
e não houve quem
desvendasse o Rio.

E não houve homem algum
Que desvendasse
tão grandes mistérios
deste universo...
palco da glória de Deus.

Apolo


Grande bola de fogo
púrpura viva
surge nas manhãs
claras e mornas
dos meus dias estivais.
Porque vaidoso se mostra
assim, majestoso
em rosa aberta
acima do cinza degradê
dos montes?
 Sua ígnea beleza
por um tempo
verte em vida
o verde pouco
do meu sertão
que você mesmo destrói
e me faz louca
a buscar seu fogo
quando se cobre
entre o fino véu
de brancas nuvens.
E me faz tonta,
pequena dríade
se de um espanto
o persigo entre as folhas,
entre as matas
onde brinca
e se esconde
e logo rizonho
se levanta
se mostra de novo,
todo lindo e fogo,
atraindo  negras nuvens
de pássaros
numa imagem surreal.
 Ivanice Rodrigues


                  ENIGMA

Nasce-me um enigma:
gritos ecóicos em  labirintos
escuros, impenetráveis.
Nos gritos um pedido:
de não- reconhecimento,
de não se constituir.
ausente... ausente...

Onde ficou a lacuna?
Seria no espaço mítico?

Seria esse mistério
filho do meu ego?
ou do indivi (dualismo)
do outro (ausente ser) ?

As dúvidas são portas lacradas
por onde o amor quer entrar.
Seus segredos obscuros
são profundos e dilaceram...
trazendo à tona
feridas narcísicas
sangrando ao desvario.

Mas existe no enigma, o silêncio
num quarto escuro de pássaros azuis
onde o amor não entra,
mas tenta decifrar o mito.
Ivanice  Rodrigues



EXÍLIO DE UM POETA

À sombra de lembranças
ternas e doloridas da infância
tuas palavras dançam.
Tristes, rasgadas ou ingênuas,
mas são gritos...

Tuas crises de existência
roubam-te a luz
da alegria dos picadeiros de circo.
E a mesma dor homem- menino
dá vida às tuas palavras.

Quase não se percebe o teu exílio.
Mas não há fuga possível do homem
nem do menino
O ser sem-ser fustiga a tua alma.

Então as Palavras revelam
nova vida em cortina que se abre.
O sol virá;espantando os pardais
que ainda moram em teu exílio.
Ivanice Rodrigues


FALSAS VERTENTES

A verdade que nos redime
ficou morta nas palavras.
O que pensavas ser verdade
não existe, não foi experimentado. 

Criaste falsas vertentes
para o caminho que nos unia.
Transformaste em falso
um encontro que nunca tivemos.

Quiseste ter em mim a falsa parte
do teu todo obsessivo e narcisista.
Não serei parte,não sou falsa.

Serei sombra acidental e deleitosa 
nas palavras que um dia
ajudei-te a construir.
 Ivanice Rodrigues

  
                                DESLIZE

O amor ficou no futuro do pretérito.
No presente, apenas o frio
que passa violento
pelo escuro de uma rua deserta.

No presente, um corpo febril
dormitando segredos ocultos...

E então ela não veria 
línguas de fogo a percorrer
tâmaras maduras...

E então não poderia
fechar as asas do tempo
ou aquecer seu frio

O olho da razão,
com navalhas impassíveis,
                     devoraria...

O prenúncio do amor
que já não  há.    

 Ivanice Rodrigues


   
ARCO ÍRIS NO PAPEL


Ele era a poesia andando furtiva
em um cavalo branco
nos galopes dos pensamentos

E toda a metafísica de sua existência
não o abrigava mais 
nas coisas indizíveis do meu poema. 

Enquanto eu me perdia em lembranças
um arco íris se formou no papel
pela vidraça coberta de sol.

Era a luz do seu sorriso que vinha

Seu sorriso abre raios de sol
...seus olhos não me perdoam a retórica.
Ivanice Rodrigues 



POEMA DA EMBRIAGUÊZ

Teus poemas dionisíacos
Eu quero beber
Mais que isso
Irei comê-los com os olhos
Totalmente embriagados


Roçarei minhas palavras
Em tuas palavras
Sentirei pulsar tua alma
No tempo de encantar.
Definitivo...

Depois ficarei aqui
Grávida
Ávida
 por novos poemas

 Ivanice Rodrigues 

Silenciosa Ítaca.


                                                                                                                                                                                 
Tua ausência guarda                                                 
os segredos que dormem
em luares virgens                                                                                                                 
alheios às trombetas de Deus.

Teu silêncio ignora a dor,
Despreza a morte;
morrer não te ocorre
           
Os barulhos desarticulados
explodem para dentro;          
angústia que se inicia 
desenhando abismos.

Só  dentro da Ítaca, risos...
Escreves palavras no ar.
E serenidades...
           
Mas silencias a boca e os gestos
se o outro te decifra. Ignora-o...
ser um ser não te ocorre        

Tantas noites que se alargam
no tempo em que és insone   
dormir não te ocorre!                                                                                                                                           


Ivanice Rodrigues de Aquino


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