segunda-feira, 27 de agosto de 2018

O Príncipe, de Maquiavel


    Análise
    Ao escrever O Príncipe, Maquiavel expressou nitidamente os seus sentimentos de desejo de ver uma Itália poderosa e unificada. Expressou também a necessidade (não só dele mas de todo o povo italiano) de um monarca com pulso firme, determinado que fosse um legítimo rei e que defendesse seu povo sem escrúpulos e nem medir esforços. Maquiavel foi muito criticado pelas idéias que ele defendeu em O Príncipe.
    Em O Príncipe, Maquiavel faz uma referência elogiosa a César Bórgia, que após ter encontrado na recém conquistada Romanha, um lugar assolado por pilhagens, furtos e maldades de todo tipo, confia o poder a Dom Ramiro d'Orco. Este, por meio de uma tirania impiedosa e inflexível põe fim à anarquia e se faz detestado por toda parte. Para recuperar sua popularidade, só restava a Bórgia suprimir seu ministro. E um dia em plena praça , no meio de Cesena, mandou que o partissem ao meio. O povo por sua vez ficou , ao mesmo tempo, satisfeito e chocado.
    Para Maquiavel, um príncipe não devia medir esforços nem hesitar, mesmo que diante da crueldade ou da trapaça, se o que estiver em jogo for a integridade nacional e o bem do seu povo.
    Ao escrever O Príncipe, Maquiavel desejava guiar os governantes, alertando-os sobre as armadilhas da selva política. Seu livro é um manual de auto-preservação para líderes mundiais.
    A obra-prima de Maquiavel pode ser considerada um guia de conselhos para governantes. O tema central do livro é o de que para permanecer no poder, o líder deve estar disposto a desrespeitar qualquer consideração moral, e recorrer inteiramente à força e ao poder da decepção. Maquiavel escreveu que um país deve ser militarmente forte e que um exército pode confiar somente nos cidadãos de seu país – um exército que dependia de mercenários estrangeiros era fraco e vulnerável.
    Maquiavel afirma ainda que um líder deve buscar o apoio de seu povo. Para a surpresa de muitos, o autor explicou que ao assumir o poder “deve-se cometer todas as crueldades de uma só vez, para não ter que voltar a elas todos os dias... Os benefícios devem ser oferecidos gradualmente, para que possam ser melhor apreciados.”
    Maquiavel também ensinou que para obter sucesso, um líder deve estar cercado por ministros leais, competentes e confiáveis.
    Um dos temas mais importantes de O Príncipe é o debate sobre a seguinte questão: “é preferível que um líder seja amado ou temido?” Maquiavel responde que é importante ser amado e temido, porém, é melhor ser temido que amado. Ele explica que o amor é um sentimento volúvel e inconstante, já que as pessoas são naturalmente egoístas e podem freqüentemente mudar sua lealdade. Porém, o medo de ser punido é um sentimento que não pode ser modificado ou ignorado tão facilmente.
    Maquiavel também afirma que, se necessário, um governante deve mentir e trapacear. O autor declara que é melhor para um líder caluniar do que agir de acordo com suas promessas, se estas forem resultar em conseqüências adversas para sua administração e seus interesses. Da mesma forma que Maquiavel acreditava que os líderes deveriam ser falsos quando preciso, ele os aconselhava a ficarem atentos em relação às promessas de outros: eles também podem estar mentindo caso seja de interesse deles.
    Enredo e estrutura da obra
    Em sua obra O Príncipe, Nicolau Maquiavel mostra a sua preocupação em analisar acontecimentos ocorridos ao longo da história, de modo a compará-los à atualidade de seu tempo O Príncipe consiste de um manual prático dado ao Príncipe Lorenzo de Médice como um presente, o qual envolve experiência e reflexões do autor. Maquiavel analisa a sociedade de maneira fria e calculista e não mede esforços quando trata de como obter e manter o poder.
    A obra é dividida em 26 capítulos, que podem ser agregados em cinco partes:
    1. Capítulo I a XI: análise dos diversos grupo de principados e meios de obtenção e manutenção destes - Maquiavel mostra, através de claros exemplos, a importância do exército, a dominação completa do novo território através de sua estadia neste; a necessidade da eliminação do inimigo que no país dominado encontrava-se e como lidar com as leis pré-existentes à sua chegada; o consentimento da prática da violência e de crueldades, de modo a obter resultados satisfatórios, onde se encaixa perfeitamente seu tão famoso postulado de que "os fins justificam os meios" como os pontos mais importantes.
    2. Capítulo XII a XIV: discussão da análise militar do Estado - reflete sobre os perigos e dificuldades que tem O Príncipe com suas tropas, compostas de forças auxiliares, mistas e nacionais, e destaca a importância da guerra para com o desenvolvimento do espírito patriótico e nacionalista que vem a unir os cidadãos de seu Estado, de forma a torná-lo forte.
    3. Capítulo XV a XIX: estimativas sobre a conduta de um Príncipe - vê-se a necessidade de uma certa versatilidade que deve adotar o governante em relação ao seu modo de ser e de pensar a fim de que se adapte às circunstâncias momentâneas-"qualidades", em certas ocasiões, como afirma o autor, mostram-se não tão eficazes quanto "defeitos", que , nesse caso, tornam-se próprias virtudes; da temeridade dele perante a população à afeição, como medida de precaução à revolta popular, devendo o soberano apenas evitar o ódio; da utilização da força sobreposta à lei quanto disso dependeram condições mais favoráveis ao seu desempenho; e da sua boa imagem em face aos cidadãos e Estados estrangeiros, de modo a evitar possíveis conspirações.
    4. Capítulo XX a XXIII: conselhos de especial interesse ao Príncipe - constata-se um questionamento das utilidade das fortalezas e outros meios em vistas fins de proteção do Príncipe; o modo em que encontrará mais serventia em pessoas que originalmente lhe apresentavam suspeitas em contrapartida às primeiras que nele depositavam confiança; como deve agir para obter confiança e maior estima entre seus súditos; a importância da boa escolha de sesu ministros; e uma espécie de guia sobre o que fazer com os conselhos dados, estes, raramente úteis, quando se considera o interesse oculto de quem os dá.
    5. Capítulo XXIV a XXVI: reflexão sobre a conjuntura da Itália à sua época - Maquiavel foge de sua análise propriamente "maquiavélica" na forma de um apelo à família real, de modo que esta adote resoluções em favor da libertação da Itália, dominada então pelos bárbaros.
    Essa obra clássica da literatura mundial, O Príncipe, de Maquiavel, não pode ser desprezado, mesmo porque, adequa-se a qualquer época da história humana. Traz-nos uma visão realista de como o ser humano pode, deve e, de fato, manipula o poder. Uma obra revolucionária em sua época, é, até hoje, leitura obrigatória para aqueles que pretendem avançar no conhecimento das Ciências Políticas. Não é suficiente apenas citar Maquiavél e aparentar erudição. É importante compreendê-lo e deleitar-se com seu estilo e lógica impecáveis.

    Fonte: https://www.passeiweb.com/estudos/livros/o príncipe

    terça-feira, 29 de dezembro de 2015

    Poema Sujo - Ferreira Gullar



    ANÁLISE DA OBRA "POEMA SUJO", DE FERREIRA GULLAR


    O AUTOR Em 1970, Ferreira Gullar é obrigado a deixar o Brasil, vivendo em várias cidades, foi em Buenos Aires, que o poeta escreveu em 1975 entre maio e outubro o “Poema Sujo” que foi muito bem acolhido pelos intelectuais. Eram realizados encontros e foi na casa de Augusto Boal, em Buenos Aires, entre grupo de amigos, liderados por Vinícius de Moraes que conheceram e se apaixonaram pelo “Poema sujo”, assim Vinícius de Moraes leva o poema para o Rio de Janeiro escondido em fita-cassete, por razões de segurança. Já no Brasil Vinícius promove sessões de audição privada para intelectuais e jornalistas, e o editor Ênio Silveira resolve publicá-lo no ano seguinte, sem a presença do poeta, ainda exilado. Esse poema abriu as portas para o seu retorno ao país, que foi em março de 1977.


    OS CRÍTICOS

    A crítica foi benevolente com o poema, segundo: Vinícius de Moraes, esse “é o mais importante poema escrito em qualquer língua nas últimas décadas”; Otto Maria Carpeaux considera-o um “poema nacional”, uma verdadeira “encarnação do exílio”, trazendo todas as experiências, vitórias, derrotas e esperanças de vida do homem brasileiro. Clarice Lispector classifica-o de “escandalosamente belíssimo”.


    A PROPÓSITO DO TÍTULO

    Afirmou Luiz Carlos Junqueira Maciel: Diz que Ferreira Gullar afirma que o título

    “... é porque eu pego o que tem de escuro, de sujo, as cadeiras velhas, os armários velhos, e coloco uma luz. Vou até embaixo, no fundo, e subo trazendo tudo junto: o que é poesia e o que não é poesia”. Maria Zaira Turchi: Ao questionar o título do “Poema sujo”, indaga se esse adjetivo teria a mesma conotação de pornográfico, imoral, contrário às normas tradicionais de boas maneiras. Ma o “Sujo” não se localiza nos palavrões, nas tiradas eróticas; O sujo está na miséria, na fome, na obscena divisão de classes. O sujo está inserido no tempo da enunciação do texto: anos 70, ditadura militar, milagre econômico a enriquecer uma minoria, tortura e censura obscurecendo o país, o poeta exilado, em sua vida clandestina, prestes a ser preso ou fuzilado a qualquer momento; O “Poema sujo” é um painel-memorial onde se acham acontecimentos tristes de vida até aquele momento. É “Poema sujo”, por não seguir as regras poéticas de métrica, rima, palavras adequadas e vocabulário. Há gírias, palavrões e, até mesmo, obscenidades na linguagem. Ainda pode ser “Poema sujo” por ser de um autor perseguido na época, contrário ao regime do seu tempo de rapaz.


    O ESTILO DA ÉPOCA

    Gullar afirma que suas obras são fruto de reflexões sobre os acontecimentos, a vida e as pessoas, escrita com coerência. O “Poema sujo”, que é seu livro mais conhecido internacionalmente, já foi publicado na Alemanha, Espanha, Colômbia e EUA, é considerado a obra mais ousada de Ferreira Gullar. Esta obra como diz o autor, é uma obra que traz uma reflexão vigorosa e penetrante sobre a infância e o resgate. O poeta escreveu as cinco primeiras laudas em um só fôlego: “Ao terminá-las, sabia de tudo: que o poema ia ter por volta de cem páginas, que teria vários movimentos como uma sinfonia e que se chamaria “Poema sujo”. Hoje, ao refletir sobre aqueles momentos, estou certo de que o poema me salvou: quando a vida parecia não ter sentido e todas as perspectivas estavam fechadas, invente, através dele, outro destino.” Escreveu-a numa época de forte repressão política, Gullar sentia-se perseguido pela ânsia de relembrar o passado e a dificuldade de expressar, em linguagem poética, o universo interior, o que transparece logo nos primeiros versos, no nível formal do texto: turvo turvo a turva mão do sopro contra o muro escuro menos menos menos que escuro menos que mole e duro menos que fosso e muro: menos que furo escuro mais que escuro: claro Como água? Como pluma? Claro mais que claro claro: coisa alguma e tudo (ou quase) um bicho que o universo fabrica e vem sonhando (desde coisa alguma) e tudo (ou quase) um bicho que o universo fabrica e vem sonhando... Há, nessa passagem, o uso consciente de vogais e consoantes que sugerem um conflito entre o desejo pela expressão exata e a impossibilidade de transpor para o verso as impressões da vida real. Esse embate repercute na utilização das consoantes oclusivas [t] e [p], que reproduzem sons fortes e pesados, mostrando que o poema começa a se revelar, mas ainda se acha à mercê dos óbices de transformar em linguagem poética a experiência profunda, armazenada como sentimentos, emoções e recordações. Por outro lado, as vogais [o] e [u] também causam a sensação de fechamento e escuridão, sem mencionar que a palavra muro realça esse labor com a linguagem. Logo em seguida aparecem outros estilísticos que demonstram a superação das primeiras barreiras. O jogo de antíteses (escuro x claro, menos x mais, mole x duro) reforça uma ambiguidade: ora a imagem emerge espontânea, ora se esconde no pensamento. Claro claro Mais que claro Raro O relâmpago clareia os continentes passados. Em razão de uma originalidade sempre buscada, no” Poema sujo” ele se esmera (aprimora) na coragem despudorada de revelar explicitamente a sordidez e a impureza do cotidiano humano em passagem insólitas (incomum), embora amparadas por uma consciência poética que torna esses rompantes expressivos alheios a um simples e pueril desejo de subverter ou chocar. Em alguns momentos, o poeta declara abertamente: “Tua gengiva igual a tua bocetinha que parecia sorrir entre [as folhas de banana entre os cheiros de flor e bosta de porco aberta] como uma boca do corpo (não como a tua boca de palavras)... O poema é estruturado em versos livres (em alguns momentos, há versos em redondilha maior – quadra de versos de sete sílabas, na qual rimava o primeiro com o quarto e o segundo com o terceiro, seguindo o esquema abba) explorando com liberdade o espaço gráfico, recorrendo, às vezes, a expedientes concretistas: “nada vale nada vale quem não tem nada v a l e TCHIBUM!!!” (p.36) O poema é um corpo constituído de quatro temas principais: infância/ família – corpo/prazer – tempo/tempos – cidade/vida. Nele há uma mistura de tristeza e alegria, esperança e angústia, caráter histórico e mistério existencial, corpo humano e espaço urbano. A forma poética é também híbrida (misturada), recorrendo a versos curtos e longos, versos livres e metrificados, linguagem clássica e linguagem chula, narrativas e fragmentos, léxico popular e erudito, anáforas, sinestesias, aliterações, assonâncias, onomatopeias. Ao observar o movimento de versos e estrofes, as páginas e seus espaçamentos, pressente-se que existe de fato uma arquitetura nesse corpo poético. A paginação rigorosa obedece a um desenho que pode ser assemelhado às partituras, e o número de páginas do poema corresponde à média de páginas que possui a edição de uma sinfonia. Há a influência do concretismo/neoconcretismo pode ser identificada em várias passagens da obra, em que o espaço em branco é ocupado graficamente pelo verso.


    MONTAGEM DO POEMA

    Embora o poema não apresente subtítulos, capítulos ou subdivisões, podemos apontar, através de espaços deixados entre as suas 103 páginas, 09 blocos distribuídos assimetricamente: enquanto o menor tem quatro páginas, o maior tem 26.  PRIMEIRO BLOCO: da página 11 à 24 Na oposição entre o turvo e o claro, o poema nasce no nível da inconsciência, da pré-fala, buscando atingir a fala consciente. O primeiro grande impacto do poema vem nos seguintes versos: “azul era o gato azul era o galo azul o cavalo azul teu cu”. Como observa Turchi, a última palavra chula quebra o encantamento azul da infância e da fantasia, “e fecha como que o inconsciente para acordar o consciente na busca da realidade da vida”.


    SEGUNDO BLOCO: da página 25 à 36 Neste segundo bloco começa evocando o rio Anil, sujo e miserável, com seus bagres e lama podre. Num tempo em que o menino não conhecia Homero, Dante nem Boccaccio; evoca a locomotiva que se parecia com um paquiderme (de pele espessa com um elefante), o poema abusa das onomatopéias (“tchi tchi/ trã trã trã trã”) e, compõe esses versos singelos e líricos: “Lá vai o trem com o menino lá vai a vida a rodar lá vai ciranda e destino cidade e noite a girar lá vai o trem sem destino pro dia novo encontrar correndo vai pela terra”. Até então, dá para perceber que o “Poema sujo” o autor relata a sua vida, a sua trajetória.


    TERCEIRO BLOCO: da página 37 à 62 O poeta prossegue escavando a memória, remexendo na terra suja do quintal, evocando os mortos do passado e, simultaneamente, falando de seu presente. De volta ao passado, o poeta voa sobre a miséria de São Luís, na fábrica de Camboa, onde os operários eram explorados (não deixa de ser uma crítica); referente ao amigo de infância (Esmagado) e às casas de palafitas. Nas lembranças do poeta, acionadas pela noite, há o contraste entre a burguesia e os operários. Neste bloco “A noite” é uma imagem recorrente: “(Maria do Carmo que entregava os peitos enormes pros soldados chuparem na Avenida Silva Maria sob os oitizeiros e deixava que eles esporrassem entre suas coxas quentes (sem meter) mas voltava para casa com ódio do pai e mal-satisfeita da vida)”


    QUARTO BLOCO: da página 63 à 69 Este bloco será pontuado com a história dos pássaros, reproduzindo as ocupações profissionais, os pássaros serão relacionados com as histórias humanas: o curió que cantava na barbearia puxa o caso da filha do barbeiro que fugiu com o filho do carteiro, provocando um comentário racista das vizinhanças: “Se tivesse fugido com um branco ao menos ia poder casar” As diferenças sociais são apontadas a partir da referência aos pássaros. Através dos pássaros, o poeta evoca outros dramas, como o de seu Neco, que matou a mulher que punha chifres. O autor encerra esse bloco com referências míticas aos guerreiros (que conhecem a história dos pássaros) e ao vento que sopra nas árvores de São Luis, que irá soprar a memória do poeta no próximo bloco.


    QUINTO BLOCO: da página 70 à 77 O protagonista deste bloco é o pai do poeta, Newton Ferreira.


    SEXTO BLOCO: da página 78 à87 Os versos giram em torno da cidade de São Luis, verde e úmida, com seus ventos sonoros. A memória do autor busca os capinzais e sinestésicas evocações sexuais: “vertigem de vozes brancas ecos de leite De cuspo morno no membro O corpo que busca o corpo”. A sujeira acompanha implacável cada lembrança: “buscando Em mim mesmo a fonte de uma alegria Ainda que suja e secreta”. Ainda neste bloco, o título do poema se aclara (esclarece) nesta confidência do sanluisense: “Ah, minha cidade suja de muita dor em voz baixa de vergonha que a família abafa em suas gavetas mais fundas de vestidos desbotados de camisas mal cerzidas de tanta gente humilhada comendo pouco mas ainda assim abordando de flores suas toalhas de mesa suas toalhas de centro de mesa com jarros”
    SÉTIMO BLOCO: da página 88 à 91 A cozinheira Bizuza, no seu “universo de panelas e canseiras” é a personagem citada neste bloco, ao lado da cidade de São Luis. De novo vem à reflexão sobre tempo e espaço, de novo o poeta evoca os mortos, os habitantes que não existem, mas são ressuscitados pela força da memória.
    OITAVO BLOCO: da página 92 à 98 Este bloco trata da reflexão a respeito das coisas do cotidiano, a crença no trabalho humano, a valorização das coisas, etc.
    NONO BLOCO: da página 99 à 103 Neste bloco o poeta, antecipando o seu último livro publicado, busca relacionar as coisas umas com as outras, deixa o fragmento e atinge a totalidade; o poeta, ao falar da sua infância, da família e dos objetos, cria uma intensa e tensa rede de relações, que se prendem à história. Dando um balanço em sua vida e em sua obra, em seu livro memórias, Ferreira Gullar conclui: “A vida não é o que poderia ter sido e sim o que foi. Cada um de nós é a sua própria história real e imaginária”. A força poética da obra gullariana reside, portanto, na qualidade das sugestões psicológicas, no emprego inusitado da palavra e na capacidade de, como o próprio autor afirma: “explodir a linguagem” em versos que marcaram, pela singularidade, os rumos da criação poética brasileira. Isso sem mencionar a dignidade e a sinceridade co que assume a dureza da existência humana e a transfigura em poemas que evocam não apenas o universo paradisíaco da infância, mas também inscrevem um novo sentido ético, que seguramente nos torna mais conscientes dos mistérios de existir num mundo que, como diz Gullar, “espanca e comove”.


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    quinta-feira, 1 de maio de 2014

    Casa de Pensão, de Aluísio de Azevedo

    para ler ou imprimir a obra clique aqui
    http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/bv000014.pdf




     
    Análise da obra

    A obra foi baseada num fato real: a Questão Capistrano, crime que sensibilizou o Rio de Janeiro em 1876/77, envolvendo dois estudantes, em situação muito próxima à da narração de Aluísio Azevedo. Neste livro, o autor estuda as influências da sociedade sobre o indivíduo sem qualquer idealização romântica, retratando rigorosamente a realidade social trazendo para a literatura um Brasil até então ignorada.

    Autor fiel à tendência naturalista difundida pelo realismo, Aluísio Azevedo focaliza, nesta obra, problemas como preconceitos de classe, de raças, a miséria e as injustiças sociais. Descreve a vida nas pensões chamadas familiares, onde se hospedavam jovens que vinham do interior para estudar na capital. Diferente do romantismo, o naturalismo enfatiza o lado patológico do ser humano, as perversões dos desejos e o comportamento das pessoas influenciado pelo meio em que vivem.

    Casa de Pensão é uma espécie de narrativa intermediária entre o romance de personagem (O Mulato) e o romance de espaço (O Cortiço). Como em O Mulato, todas as ações ainda estão vinculadas à trajetória do herói, nesse caso, Amâncio de Vasconcelos. Mas, como em O Cortiço, a conquista, ordenação e manutenção de um espaço é que impulsiona, motiva e ordena a ação. Espaço e personagem lutam, lado a lado, para evitar a degradação.

    As teses naturalistas, especialmente o Determinismo, alicerçam a construção das personagens e das tramas.

    Romance naturalista de 1884, em que o autor, de carreira diplomática bastante acidentada, move personagens que se coadunam perfeitamente com a análise dos críticos de que seus tipos são, via de regra, grosseiros, não se distinguem pela sutileza da compreensão, nem pela frescura dos sentimentos. São eixos de relações da estrutura da presente narrativa a Província - Maranhão, a Corte - Rio de Janeiro, a casa paterna e a casa de pensão.

    Estilo

    O naturalismo está plenamente representado em Casa de Pensão desde a abertura do romance, quando Amâncio aparece marcado fatalisticamente pela escola e pela família: uma e outra o encheram de revolta. Por causa de um castigo justo ou injusto, "todo o sentimento de justiça e da honra que Amâncio possuía, transformou-se em ódio sistemático pelos seus semelhantes...". O leite que o menino mamou na ama negra também está contagiado e irá marcá-lo. O médico dizia: "Esta mulher tem reuma no sangue e o menino pode vir a sofrer para o futuro."  Amâncio é uma cobaia, um campo de experimentação nas mãos do romancista. Nele o fisiológico é muito mais forte do que o psicológico. É o determinismo que vai acompanhar toda a carreira do personagem.

    Está presente também na obra o sentido documental e experimental do romance naturalista, renunciando ao sentimentalismo e à evasão, procura construir tudo sobre a realidade. Como já mencionado, a estória do romance se baseia num caso real.

    Linguagem

    Uma técnica comum ao escritor naturalista é o abuso dos pormenores descritivo-narrativos de tal modo que a estória caminha devagar, lerda e até monótona. É a necessidade de ajuntar detalhes para se dar ao leitor uma impressão segura de que tudo é pura realidade. Essas minúcias se estendem a episódios, a personagens e a ambientes. Num episódio, por exemplo, há minúcias de tempo, local e personagens. E móveis de uma sala até os objetos mais miúdos.

    Não se pode dizer que a linguagem do romance é regionalista; pelo contrário, o padrão da língua usada é geral e o torneio frasal, a estrutura morfo-sintática é completamente fiel aos padrões da velha gramática portuguesa.

    Como Machado de Assis, Aluísio Azevedo também usa alguns recursos desconhecidos da língua portuguesa do Brasil, principalmente na língua oral. Assim, por exemplo, o caso da apossínclise (é uma posição especial do pronome oblíquo que não escutamos no Brasil, mas é comum até na língua popular de Portugal). São exemplos de apossínclise: "Há anos que me não encontro com o amigo." (Há anos que não me...) "Se me não engano, você está certo." Em Casa de Pensão essa posição pronominal é um hábito comum.

    Foco narrativo

    O autor escolheu o seu ponto-de-vista narrativo: a terceira pessoa do singular, um narrador onisciente e onipotente, fora do elenco dos personagens. Como um observador atento e minucioso dentro das próprias fórmulas apertadas do naturalismo. No caso deste romance, Aluísio Azevedo trabalhou muito servilmente sobre os fatos absolutamente reais.

    Temática

    Como em O Cortiço, Aluísio de Azevedo se torna excepcionalmente rico na criação de personagens coletivos: a casa de pensão, tão comum ainda hoje, no Brasil inteiro, tem vida, uma vida estudante, nas páginas do romance. Aluísio conhecia, de experiência própria, esse ambiente feito de tantos quartos e tantos inquilinos, tão numerosos e tão diferentes, nivelados pela mediocridade e em fácil decadência moral. O autor faz alguns retratos com evidentes traços caricaturais (a sua velha mania ou vocação para a caricatura...), mas fiéis e verdadeiros. Tudo se movimenta diante do leitor: a casa de pensão é um mundo diferente, gente e coisas tomam aspectos novos, as pessoas adquirem outros hábitos, informadas ou deformadas por essa vida comunitária tão promíscua. Aí se encontram e se desencontram, se amontoam e se separam tantos indivíduos transformados em tipos, conhecidos, às vezes, apenas pelo número do quarto. Em O Cortiço o meio social é mais baixo; na Casa de Pensão é médio.

    Às doenças morais (promiscuidades, hipocrisia, desonestidades, sensualismos excitados e excitantes, ódios, baixos interesses, dinheiro...) se misturam também doenças físicas (o tuberculoso do quarto 7 que morre na casa de pensão, a loucura e histerismo de Nini...). Foi o que encontrou Amâncio na Casa de Pensão de Mme. Brizard. Fora para o Rio de Janeiro, para estudar. E, num ambiente como esse, quem seria capaz de estudar? É verdade que o rapaz já trazia a sua mentalidade burguesa do tempo: o que ele buscava não era uma profissão, mas apenas um diploma e um título de doutor. Ele, sendo rico, não precisaria da profissão, mas, por vaidade, de um status, de um anel no dedo e de um diploma na parede. Essa mania de doutor, doença que pegou no Brasil, já foi magistralmente caricaturada em deliciosa carta de Eça de Queirós ao nosso Eduardo Prado: "A nação inteira se doutorou. Do norte ao sul do Brasil, não há, não encontrei senão doutores! Doutores com toda a sorte de insígnias, em toda a sorte de funções!! Doutores com uma espada, comandando soldados; doutores com uma carteira, fundando bancos: doutores com uma sonda, capitaneando navios; doutores com uma apito, comandando a polícia; doutores com uma lira, soltando carnes; doutores com um prumo, construindo edifícios; doutores com balanças, ministrando drogas; doutores sem coisa alguma, governando o Estado! Todos doutores..." O próprio Aluísio de Azevedo abandonou a Província para buscar sucessos na Corte (Rio de Janeiro) e, certamente também, um título de doutor...

    Personagens

    Os personagens, sob nomes fictícios, escondem pessoas reais:

    Amâncio da Silva Bastos e Vasconcelos - (João Capistrano da Silva) estudante, acusado de sedução. Foi absolvido.

    Amélia ou Amelita - (Júlia Pereira) a moça seduzida, pivô da tragédia.

    Mme. Brizard - (D. Júlia Clara Pereira, mãe da moça e do rapaz, assassino) é uma viúva, dona da casa de pensão: 

    João Coqueiro - Janjão - (Antônio Alexandre Pereira, irmão da moça Júlia Pereira e assassino de João Capistrano. Foi também absolvido).

    Dr. Teles de Moura - (Dr. Jansen de Castro Júnior) advogado da família da moça.

    Enredo

    Amâncio (Da Silva Bastos e Vasconcelos), rapaz rico e provinciano, abandona o Maranhão e segue de navio para o Rio de Janeiro (a Corte) a fim de se encaminhar nos estudos e na vida. É um provinciano que sonha com os deslumbramentos da Corte. Chega cheio de ilusões e vazio de propósitos de estudar... A mãe fica chorosa e o pai, indiferente, como sempre fora no trato meio distante com o filho. O rapaz tinha que se tornar um homem.

    Amâncio começa morando em casa do sr. Campos, amigo do Pai, e, forçado, se matricula na Escola de Medicina. Ia começar agora uma vida livre para compensar o tempo em que viveu escravizado às imposições do pai e do professor, o implacável Pires.

    Por convite de João Coqueiro, co-proprietário de uma casa de pensão, junto com a sua velhusca mulher Mme. Brizard, muda-se para lá. É tratado com as maiores preferências: os donos da pensão queriam aproveitar o máximo de seu dinheiro e ainda arranjar o seu casamento com Amélia, irmã de Coqueiro. Um sujo jogo de baixo interesses, sobretudo de dinheiro. Naquele ambiente, tudo concorreria para fazer explodir a super-sensualidade do maranhense.

    "Ele, coitado, havia fatalmente de ser mau, covarde e traiçoeiro: Na ramificação de seu caráter e sensualidade era o galho único desenvolvido e enfolhado, porque de todos só esse podia crescer e medrar sem auxílios exteriores."

    A casa de pensão era um amontoado de gente, em promiscuidade generalizada, apesar da hipócrita moralidade pregada pelo seu dono: havia miséria física e moral, clara e oculta. Com a chegada de Amâncio, a pensão passou a arapuca para prender nos seus laços o jovem, inesperto e rico estudante: pegar o seu dinheiro e casá-lo com a irmã do Coqueiro. Para alcançar o fim, todos os meios eram absolutamente lícitos. Amélia, principalmente quando da doença do rapaz, se desdobrou nos mais íntimos cuidados. Até que se tornou, disfarçadamente, sua amante. Sempre mantendo as aparências do maior respeito exigido dentro da pensão pelo João Coqueiro...

    O pai de Amâncio morre no Maranhão. A mãe chama o filho. Ele pretendo voltar, logo que terminarem os seus exames de medicina. Era preciso que o filho voltasse para vê-la e ver os negócios que o pai deixara. Mas o rapaz está preso à casa de pensão e a Amélia: este o ameaça e só permite sua ida ao Maranhão, depois do casamento. Amâncio prepara sua viagem às escondidas. Mas, no dia do embarque, um oficial e justiça acompanhado de policiais o prende para apresentação à delegacia e prestação de depoimentos. Amâncio é acusado de sedutor da moça. João Coqueiro prepara tudo: o caso foi entregue ao famigerado e chicanista Dr. Teles de Moura. Aparecem duas testemunhas contra o rapaz. Começa o enredado processo: uma confusão de mentiras, de fingimentos, de maucaratismo contra o jovem rico e desfrutável para os interesses pecuniários de Mme. Brizard e marido. Há uma ressonância geral na imprensa e, na maioria, os estudantes se colocam ao lado de Amâncio. O senhor Campos prepara-se para ajudar o seu protegido, mas Coqueiro lhe faz chegar às mãos uma carta comprometedora que Amâncio escrevera à sua senhora, D. Hortênsia. E se coloca contra quem não soube respeitar nem a sua casa...

    Três meses depois de iniciado o processo, Amâncio é absolvido. O rapaz é levado em triunfo para um almoço, no Hotel Paris.

    "Amâncio passava de braço a braço, afagado, beijado, querido, como uma mulher famosa." Todo mundo olhava com curiosidade e admiração o estudante absolvido. E lhe atiravam flores, Ouviam-se vivas ao estudante e à Liberdade. Os músicos alemães tocaram a Marselhesa. Parecia um carnaval carioca.

    Em outro plano, Coqueiro, sozinho, vendo e ouvindo tudo. A alma envenenada de raiva. Em casa o destampatório da mulher que o acusava de todo o fracasso. As testemunhas reclamavam o pagamento do seu depoimento. Um inferno dentro e fora dele. Chegaram cartas anônimas com as maiores ofensas. Um homem acuado...

    Pegou, na gaveta, o revólver do pai. E pensou em se matar. Carregou a arma. Acertou o cano no ouvido. Não teve coragem. Debaixo da sua janela, gritavam injúrias pela sua covardia e mau caráter... No dia seguinte, de manhã, saiu sinistro. Foi ao Hotel Paris. Bateu no quarto II, onde se encontrava o estudante com a rapariga Jeanete. Esta abriu a porta. Amâncio dormia, depois da festa e da bebedeira, de barriga para cima. Coqueiro atirou a queima-roupa. Amâncio passa a mão no peito, abre os olhos, não vê mais ninguém. Ainda diz uma palavra: "mamãe" ... e morre.

    Coqueiro foi agarrado por um policial, ao fugir. A cidade se enche de comentários. Muitos visitam o necrotério para ver o cadáver de Amâncio. Vendem-se retratos do morto. Um funeral grandioso com a presença de políticos, notícias e necrológicos nos jornais, a cidade toda abalada. A tragédia tomou conta de todos.

    A opinião pública começa a flutuar, a mudar de posição: afinal, João Coqueiro tinha lavado a honra da irmã...

    Quando D. Ângela, envelhecida e enlutada, chega ao Rio de Janeiro, se viu no meio da confusão, procurando o filho. Numa vitrine, ela descobriu o retrato do filho "na mesa do necrotério, com o tronco nu, o corpo em sangue. Uma legenda: "Amâncio de Vasconcelos, assassinado por João Coqueiro, no Hotel Paris...

    QUESTÃO CAPISTRANO


    Notório crime passional ocupou as manchetes dos jornais cariocas e foi inspiração para o enredo do romance "Casa de Pensão"
    Em janeiro de 1876, a cidade do Rio de Janeiro foi assolada pela notícia de um crime envolvendo dois amigos. A história, que tomou ares de novela ao dividir opiniões, suscitar debates e causar comoção, ficou conhecida como Questão Capistrano, devido ao sobrenome de um dos jovens envolvidos na tragédia.
    Pode-se considerar que o caso de polícia, protagonizado pelos inseparáveis amigos João Capistrano da Cunha e Antônio Alexandre Pereira, foi popularizado porque continha todos os ingredientes de uma boa trama: romance, amizade, honra, vingança e assassinato. Assim, a opinião pública envolveu-se nos acontecimentos, dividiu-se em juízos, mas, sobretudo, polemizou.
    O tema mereceu destaque na biografia de Aluísio Azevedo escrita por Raimundo de Menezes que, no capítulo "O crime do estudante Capistrano", relata as minúcias do acontecido. Eis como o enredo que inspirou o romance "Casa de Pensão", de Aluísio Azevedo, principia...
    A viúva baiana Júlia Clara Pereira, com dificuldades para sustentar as despesas da família somente com a quantia advinda das aulas de piano, delibera alugar outra casa, maior e mais confortável, que lhe possibilitaria alugar alguns quartos e, com isso, prosperar sua renda mensal. Assim, muda-se com os filhos Antônio Alexandre Pereira e Júlia Pereira para a rua do Alcântara, sob o número 71, local em que estabelece uma casa de pensão.
    Entre os primeiros pensionistas encontra-se o paranaense João Capistrano da Cunha, colega de Antônio Alexandre na Escola Politécnica, considerado confiável e, portanto, acolhido carinhosamente no seio da família Pereira.
    Com o convívio cotidiano, Capistrano e Júlia enlaçam um namoro, no qual a concupiscência leva o desventurado jovem a adentrar o quarto da moça, em uma madrugada de janeiro de 1876, e no ímpeto violentá-la.
    Após a filha relatar o acontecido na noite anterior, Dona Júlia exige explicações do estudante que, com pretextos, intenta adiar o matrimônio, compromisso que repararia o dano causado. Feita a promessa, João Capistrano atravessa semanas e meses sem movimentar-se no sentido do cumprimento de sua palavra até que desaparece de vez, sem deixar notícias. Com isso, a família apresenta queixa-crime na delegacia mais próxima, acompanhados do causídico dr. Jansen de Castro Júnior, para pleitear uma indenização de 50 contos pelo prejuízo à honra da menina Júlia.
    O julgamento tem início e a imprensa não tarda em estampar seus desdobramentos nas colunas diárias sobre o caso, inflamando a opinião pública a se manifestar ora a favor do casamento reparador dos danos causados ora a favor da imputação de uma severa pena ao jovem sedutor.
    No Tribunal, João Capistrano da Cunha tem como defensores os advogados Busch Varela e Duque Estrada Teixeira, além do conselheiro Saldanha Marinho. Figura como promotor público interino o dr. Ferreira de Oliveira, que produz vigorosa acusação. Completando o cenário, tem-se uma agigantada massa popular desejosa de acompanhar os detalhes do julgamento.
    Após a contestação do dr. Bush Varela, há a réplica do promotor, seguida pelos dizeres de Duque Estrada Teixeira e Saldanha Marinho. O resultado dos enérgicos debates é a absolvição do jovem Capistrano que, para festejar o veredicto favorável, reúne os amigos no Hotel Paris, em festança exuberante comentada por toda sociedade fluminense.
    Para Antônio Alexandre, a irresignável sentença demandaria que ele próprio tomasse uma atitude para restaurar a honra de sua família e, principalmente, de sua irmã, cujo incessante choro denota a vergonha e a profunda prostração. Deste modo, articula por três dias uma possível solução que impusesse ao ex-amigo uma lição.
    Assim, o irmão inconformado sai à procura do estudante, encontrando-o à rua da Quitanda, quando caminhava para casa de um negociante. Empunhando uma arma de 25 cápsulas, atira em João Capistrano pelas costas, ceifando-lhe a vida em plena luz do dia. E, após tentar sem sucesso a fuga, é preso em flagrante e entregue à Justiça.
    Os alunos da Politécnica, comovidos pelo crime e enlutados, homenageiam o falecido, tornando o enterro praticamente uma glorificação pública. Até o próprio Visconde do Rio Branco, diretor da Escola, suspende as aulas por dois dias.
    Pelo assassinato, Antônio Alexandre é levado a julgamento a 20 de janeiro de 1877 e tem a defesa elaborada pelo já conhecido dr. Jansen de Castro Jr. Neste momento, o público que alimentava antipatias pela família Pereira, compadece-se pelo irmão que agiu em defesa da honra. Com isso, o mesmo júri que remiu Capistrano também absolveu seu assassino... por unanimidade de votos! E, por paradoxal que pareça, aqueles que na véspera homenageavam o colega morto foram quem também ovacionaram o amigo que ganhava a liberdade.

    JORNAIS DA ÉPOCA

    Na Gazeta de Notícias, de 20 de novembro de 1876, lia-se:
    "A população de nossa cidade foi ontem sobressaltada por um triste acontecimento, terrível desenlace de um drama, que há pouco, todos presenciamos e que além de duas famílias, veio encher de luto a mocidade acadêmica, roubando-lhe um de seus membros.
    (...)
    Às dez horas da manhã, na rua da Quitanda, o estudante da escola Politécnica João Capistrano da Cunha, que há três dias o júri absolveu da acusação de ter violentado D. Júlia, foi assassinado com dois tiros de revólver por Alexandre Pereira, irmão de D. Júlia."
    Já o conservador Jornal do Comércio, sob o título ASSASSINATO CAPISTRANO, assim mesmo, em caixa alta, estampava em suas páginas do dia 21 de novembro:
    "Ontem, logo depois do meio-dia, algumas ruas das mais centrais, e com especialidade a da Quitanda..."
    E segue o relato, em linguagem esmerada, que lembra a da ficção, para finalmente fechar o texto informando que os advogados que cuidaram da defesa e absolvição de Capistrano levaram-no ao cemitério:
    "Carregaram a princípio o caixão os Srs. conselheiro Saldanha Marinho, Drs. Duque Estrada Teixeira, Busch Varela, Pinto Júnior e os Srs. Matos Cruz e Nunes de Sá. Era na verdade uma cena bem comovente aquele féretro, rodeado de mancebos que, trajados de preto e com a tristeza estampada no rosto iam levar à última morada o companheiro de todos os dias, tanto nas árduas lidas do estudo, como nos descuidosos prazeres da mocidade."

    DA REALIDADE À FICÇÃO
    Observa-se, portanto, que o crime foi narrado por vários gêneros diferentes, mostrando-se arqueável e apto a transitar na convergente fronteira da realidade jornalística e da ficção literária. Assim, a Questão Capistrano resgata a dicotomia emblemática da fatualidade e da ficção, exemplificada com maestria na trama naturalista de Aluísio Azevedo.


    As várias Canções do Exílio




    Parodiar a Canção do exílio, de Gonçalves Dias, tornou-se aos poucos uma conduta literária. Os poetas Oswald de Andrade, Carlos Drummond de Andrade, Murilo Mendes e José Paulo Paes, entre outros, serviram-se desse poema, para, a partir da matriz romântica, fazer uma espécie de desvelamento do país. O nativismo de outrora desaparece em meio ao olhar crítico, que, a cada novo momento, apanha uma faceta do Brasil e, ao mesmo tempo, reavalia um ponto de vista. Oswald não des­merece a riqueza nacional, “Minha terra tem mais ouro/ Minha terra tem mais terra” (Canto do regresso à pátria), porém, remete-se a ela lembran­do-se também dos que a manusearam em benefício de poucos: “Minha terra tem palmares”. A astúcia de Oswald é admirável. Ele encontra con­vivendo ao lado da riqueza natural (“palmeiras”) a dor e a miséria que marcam a escravidão (“palmares”). No entanto, o poeta não deixa de ser também inocente. Ao reavivar o estigma da escravidão, Oswald desmisti­fica, de um lado, os atrativos e as benesses do solo pátrio, de outro, entre­tanto, parece retomar a inocência de antes, na medida em que mistifica a modernização11. Ao final do poema é feita uma espécie de súplica:
    Não permita Deus que eu morra
    Sem que volte pra São Paulo
    Sem que veja a Rua 15
    E o progresso de São Paulo
    José Paulo Paes, por sua vez, valoriza em sua versão o entredito. Diferente do momento histórico do poeta modernista, o terreno sobre o qual José Paulo se desloca pode ser considerado minado. A dificuldade de se impor às claras contra a ditadura o obriga a ser um homem de meias palavras. Mas são murmúrios que dizem muito dos apuros do cotidiano. O sussurro e a elipse são reveladores do sistema de opressão. O poema Canção de exílio facilitada limita a conversa ao mínimo, e o mínimo faz as palavras se encherem de significado:
    lá?
    ah!
    sabiá…
    papá…
    maná…

    sofá…
    sinhá…
    cá?
    bah!
    Embora o pano de fundo se mantenha, a versão de Cacaso é mais lúdica, mais irônica e menos elíptica, o humor lhe serve de instrumento para abordar a tensão e os dilemas que faziam do cotidiano uma zona de combate (ainda que nesse combate não pudesse ser incluída a maioria dos brasileiros). O poema resume em sua trajetória (as alamedas são muitas e variadas entre si) um modo de ver o Brasil que pode ser visualizado do ponto de vista romântico, bem-humorado ou lúdico e, ao mesmo tempo, desencantado. Caminha-se, assim, das belezas às mazelas nacionais:
    Jogos florais12
    I
    Minha terra tem palmeiras
    onde canta o tico-tico.
    Enquanto isso o sabiá
    vive comendo o meu fubá.
    Ficou moderno o Brasil
    ficou moderno o milagre:
    a água já não vira vinho
    vira direto vinagre.
    II
    Minha terra tem Palmares
    memória cala-te já.
    Peço licença poética
    Belém capital Pará.
    Bem, meus prezados senhores
    dado o avançado da hora
    errata e efeitos do vinho
    o poeta sai de fininho.
    (será mesmo com 2 esses
    que se escreve paçarinho?)

    temos a impressão de avistar em Jogos florais um pouco da nostalgia da Canção do exílio: a natureza em seu esplendor e o saudosismo que faz embevecer o espírito colocam-se por instantes. O sentimento teria sido preservado se não se substituísse notadamente o “sabiá”: “Minha terra tem palmeiras/ onde canta o tico-tico.” O atrevi­mento e a malícia que se associam ao “tico-tico” passam a habitar natu­ralmente a imagem do “sabiá”; e vice-versa, a amabilidade que define o sabiá marca o comportamento do “tico-tico”. O “sabiá” torna-se uma ave de rapina: “vive comendo o meu fubá”.
    Alude-se aqui ao choro de Zequinha de Abreu Tico-tico no fubá. Cacaso mostra-se consciente do alcance dessa parodia no momento em que mescla com precisão o saudosismo do poema romântico à ludicidade da canção. A troca das aves reforça os traços de cada um dos elementos em jogo. Acontece que com isso se invalida aquela nostalgia da abertura. A inocência, não por acaso, se esvai e, nesse escoar, cede a vez a uma visão de mundo que se mostra menos cândida e mais analítica sobre o território nacional. Basta ler com atenção a segunda estrofe para se notar o olhar de reprovação com relação ao desenvolvimento do Brasil e espe­cialmente ao “milagre econômico”, que parecia ser mesmo uma bênção: “a água já não vira vinho/ vira direto vinagre”.
    Associa-se o avanço da economia ao relato bíblico, sinal com o qual Jesus revelou-se como o cordeiro de Deus a ser sacrificado para salvar os homens. Se o intuito não é necessariamente expressar o grau de falsidade do “milagre econômico” (os historiadores se encarregaram de examinar em detalhes as contradições que o constituíam), associar ao milagre o relato bíblico ajuda a escancarar a virulência da moderni­zação. A velocidade do processo é tamanha que se converte a “água” em “vinagre”. O Messias daqui não veio redimir o indivíduo, livrando-o de seus pecados, mas, sim, submetê-lo ao consumo, ao jogo de interesses, ao Deus dinheiro, etc. O poeta retira da modernização o brilho, a áurea de felicidade e a sensação de bem-estar que a ela se associam para cativar o indivíduo e prendê-lo em sua rede. A exclusão de tais mecanismos de persuasão faz sobressair o produto da modernização em curso: a agres­sividade de suas ações.
    Havíamos visto em Canto do regresso à pátria, de Oswald de An­drade, uma mudança que extraiu do Brasil majestoso o custo desta ma­jestade: “Minha terra tem palmares”. A sacada do poeta modernista foi bem aproveitada em Jogos florais. Cacaso amplia o alcance dessa modi­ficação, escrevendo em maiúsculo, para surtir ainda mais efeito, o que antes vinha meio acanhado: “Minha terra tem Palmares”.
    A falta de liberdade de expressão é também a perda da Liberdade. O fato de se recordar, em plena ditadura militar, do ambiente onde os negros escravizados refugiavam-se para se livrar do jugo dos senhores de escravo é bem sintomático da condição dos núcleos de resistência ao longo do regime militar. Os membros da guerrilha urbana são também fugitivos. E os órgãos de vigilância corresponderiam mutatis mutandis aos capitães do mato de outros tempos. Dois momentos históricos se cruzam e, ainda que exijam dois modos de avaliar o tema da opressão, levando-se em conta todas as diferenças que os individualizam, há que se considerar, no entanto, o ambiente de opressão, o clima de terror que autoriza uma associação como esta, favorecendo, então, o confronto de dois períodos da história brasileira. É uma relação que vem a calhar. Ou viria, não fosse por certo o temor de ser um dia, quem sabe, uma das vítimas da repressão: “memória cala-te já.”
    O receio de se expor em demasia reflete o cotidiano de quem se sente mesmo intimidado pelos acontecimentos e deles não consegue se desvincular a fim de lutar ao menos contra si mesmo. Os versos finais da primeira estrofe ensaiam uma reação que parece acentuar esse sentimen­to, pois, em se tratando de atenuar o que se disse até o momento, se produz uma cortina de fumaça: “Peço licença poética/ Belém capital Pará”.
    A saída do poeta é fazer do verso “memória cala-te já” uma rima com “Belém capital Pará”, que, diferentemente do que se constata no Poema de sete faces, “Mundo mundo vasto mundo,/ se eu me chamasse Raimundo/ seria uma rima, não seria uma solução”, é uma solução em Jogos florais. Assim como ajuda a despistar também o disfarce da em­briaguez: “dado o avançado da hora/ errata e efeitos do vinho”
    A fonte de referência parece ser de novo Carlos Drummond de Andrade: “mas essa lua/ mas esse conhaque/ botam a gente comovido como o diabo.” A bebida pode mudar, mas não muda, porém, a força do álcool e sua capacidade de alterar o eixo do indivíduo, que fica mais “co­movido” e mais falante do que deveria, deixando escapar naturalmen­te o que há muito está reprimido. Esse efeito do álcool se adequa bem aos movimentos da paródia: “a cavaleiro entre a razão desmistificado­ra (enquanto analisa e ironiza formas alienadas de dizer) e a pura vio­lência do instinto de morte,” que não reconhece barreiras. Ainda que se tenha silenciado a “memória”, e o “vinho” sirva de desculpa, o dedo  continua em riste, mesmo em pensamento, como traz ao final Jogos flo­rais, que anuncia, pelo avesso, os problemas do Brasil. A bola da vez é o oponente Jarbas Passarinho, ex-ministro da Educação. A pilhéria com seu sobrenome – “(será mesmo com esses/que se escreve paçarinho?)” – é uma maneira de alertar sobre as deficiências do ensino público. Ao inserir tais versos no poema Cacaso reinicia um discurso que parecia ter sido encerrado, e sua irreverência, mais uma vez, volta a servir de recurso para abordar o cotidiano e seus impasses.
    Compositores também escreveram releituras da Canção do Exílio. Na MPB, o exemplo mais conhecido é a canção "Sabiá", composta por Tom Jobim e Chico Buarque. A música foi composta pelo Tom, intitulada, a princípio, Gávea. Recebeu, em seguida, a letra de Chico Buarque e passou a se chamar Sabiá.
    Apresentada no III Festival Internacional da Canção, em 1968, recebeu uma sonora vaia no Maracanãzinho já que concorria com “Prá não dizer que não falei das flores”, de Geraldo Vandré, a preferida pelo público. Foi taxada de alienada e desvinculada da realidade nacional por alguns e de nova “Canção do Exílio” por outros. Apesar de toda rejeição e polêmica, acabou sendo premiada.
    Por ironia, no final do mesmo ano, os militares baixaram o AI-5 e fecharam o Congresso. Chico Buarque se viu pressionado a deixar o país. e o sabiá e a palmeira passaram a ser símbolos, também, do exílio político.

    Sabiá

    Vou voltar!
    Sei que ainda vou voltar
    Para o meu lugar
    Foi lá e é ainda lá
    Que eu hei de ouvir
    Cantar uma Sabiá...

    Vou voltar!
    Sei que ainda vou voltar
    Vou deitar à sombra
    De uma palmeira que já não há
    Colher a flor que já não dá
    E algum amor
    Talvez possa espantar
    As noites que eu não queria
    E anunciar o dia...

    Vou voltar!
    Sei que ainda vou voltar
    Não vai ser em vão
    Que fiz tantos planos
    De me enganar
    Como fiz enganos
    De me encontrar
    Como fiz estradas
    De me perder
    Fiz de tudo e nada
    De te esquecer...

    Vou voltar
    Sei que ainda vou voltar
    E é pra ficar
    Sei que o amor existe
    Não sou mais triste
    E a nova vida já vai chegar
    E a solidão vai se acabar...
    E a solidão vai se acabar...
    A referência ao sabiá e à palmeira já nos remete à Canção do Exílio, de Gonçalves Dias, mas de uma forma mais triste, melancólica como que para mostrar que essa volta é impossível.
    No reconhecimento de uma pátria esvaziada e sem perspectiva de modificação próxima, Chico usa a negação do símbolo palmeira:

    "Vou deitar à sombra
    de uma palmeira que já não há
    Colher a flor que já não dá"

    Na música “Sabiá”, de Tom Jobim e Chico Buarque, os valores de sua terra foram destruídos, mas o “eu” poético tem esperança de voltar e encontrar um novo tempo capaz de modificar a realidade destruída. Durante toda a canção aparece a dualidade entre o desejo que se queria real e a realidade que se tem:

    “ Foi lá e é ainda lá
    Que eu hei de ouvir cantar
    Uma sabiá.”
    Como numa visão premonitória baseada pela situação do país, o autor da letra percebia a solidão das noites de exílio que iria viver longe das palmeiras e sabiás:

    “As noites que eu não queria
    E anuncia o dia.”
    Mesmo existindo o sentimento de perda, existencial e político, durante toda a música ainda há o desejo do regresso para o lugar de paz – a pátria. Se na Canção do Exílio, de Gonçalves Dias, a pátria corresponde a um lugar de prazer, na música Sabiá essa pátria foi desfigurada principalmente na sua essência. O exílio é de todos. O regresso, então, seria a volta a uma realidade diferente do regime militar vigente na época:

    “Vou voltar!
    Sei que ainda vou voltar
    Para o meu lugar
    Foi lá e é ainda lá
    Que eu hei de ouvir
    Cantar uma Sabiá”
    A esperança do regresso é viva e a saudade tem um sentido social: a recuperação da pátria perdida.
    Carlos Drummond de Andrade também escreve a sua Nova canção do exílio, em 1945, que é dedicada a Josué Montello. Das diferentes leituras do poema Canção do Exílio que possibilitam o conhecimento da nossa pátria ao mesmo tempo em que nos reconhecemos como parte dela, é meu preferido.
    Drummond, mais filosófico, reflete, em seu poema, sobre a distância da felicidade existente na sua terra natal e não tem o tom crítico de Oswald de Andrade e Murilo Mendes.
    O poeta, em sua releitura, retoma a imagem do sabiá e da palmeira para idealizar um lugar indeterminado. Na construção “um sabiá, na palmeira, longe” percebe-se a indeterminação – de qual sabiá? Em que palmeira? Longe onde? Como sabiá e palmeira já estão plantados na imaginação do leitor, ele apenas os enuncia.
    No final do poema, o poeta inverte a posição do sabiá/palmeira e, além de determinar “a palmeira, o sabiá”, através do uso do artigo definido, substantiva o advérbio “longe”, reforçando a ideia de exílio: o “longe”, lugar de onde veio. Esse afastamento constitui o seu exílio.
    Drummond vai além do nacionalismo, discute sobre os lugares míticos que criamos na imaginação, em geral associados à terra natal: "onde tudo é belo / e fantástico: / a palmeira, o sabiá, / o longe".

    Nova Canção do Exílio

    Um sabiá
    na palmeira, longe.

    Estas aves cantam
    um outro canto.

    O céu cintila
    sobre flores úmidas.
    Vozes na mata,
    e o maior amor.

    Só, na noite,
    seria feliz:
    um sabiá,
    na palmeira, longe.

    Onde tudo é belo
    e fantástico,
    só, na noite,
    seria feliz.
    (Um sabiá,
    na palmeira, longe.)

    Ainda um grito de vida e
    voltar
    para onde tudo é belo
    e fantástico:
    a palmeira, o sabiá,
    o longe.

    (Carlos Drummond de Andrade)
    O sucesso alcançado pelo poema Canção do Exílio de Gonçalves Dias tornou-se o grande paradigma do nacionalismo literário no Brasil. Vários poetas, posteriores a Gonçalves Dias, seguiram a mesma linha explicitando um olhar otimista e, ao mesmo tempo, saudoso sobre o país.
    Casimiro de Abreu, contemporâneo de Gonçalves Dias, usa a mesma temática em alguns de seus poemas.

    Em 1855, Casimiro de Abreu também escreveu uma canção do exílio:

    Eu nasci além dos mares

    Eu nasci além dos mares:
    Os meus lares,
    Meus amores ficam lá!
    ― Onde canta nos retiros
    Seus suspiros,
    Suspiros o sabiá!

    Oh! Que céu, que terra aquela,
    Rica e bela
    Como o céu de claro anil!
    Que seiva, que luz, que galas,
    Não exalas,
    Não exalas, meu Brasil!

    Oh! Que saudades tamanhas
    Das montanhas,
    Daqueles campos natais!
    Que se mira,
    Que se mira nos cristais!

    Não amo a terra do exílio
    Sou bom filho,
    Quero a pátria, o meu país,
    Quero a terra das mangueiras
    E as palmeiras
    E as palmeiras tão gentis!

    Como a ave dos palmares
    Pelos ares
    Fugindo do caçador;
    Eu vivo longe do ninho;
    Sem carinho
    Sem carinho e sem amor!

    Debalde eu olho e procuro...
    Tudo escuro
    Só vejo em roda de mim!
    Falta a luz do lar paterno
    Doce e terno,
    Doce e terno para mim.

    Distante do solo amado
    ― Desterrado ―
    a vida não é feliz.
    Nessa eterna primavera
    Quem me dera,
    Quem me dera o meu país!
    (Casimiro de Abreu)

    Em outro poema, datado de 1856, Casimiro de Abreu usa como epígrafe os dois primeiros versos do poema de Gonçalves Dias, mostrando as qualidades que existem amplamente no Brasil por ser a “minha terra” e que não existem em qualquer outro lugar.

    Minha Terra

    Minha terra tem palmeiras
    Onde canta o sabiá.
    (Gonçalves Dias)

    Todos cantam sua terra,
    Também vou cantar a minha,
    Nas débeis cordas da lira
    Hei de fazê-la minha rainha;

    — Hei de dar-lhe a realeza
    Nesse trono de beleza
    Em que a mão da natureza
    Esmerou-se em quanto tinha.

    Correi pras bandas do sul:
    Debaixo dum céu de anil
    Encontrareis o gigante
    Santa Cruz, hoje Brasil;
    — É uma terra de amores
    Alcatifada de flores
    Onde a brisa fala amores
    Nas belas tardes de Abril.

    Tem tantas belezas, tantas,
    A minha terra natal.
    Que nem as sonha um poeta
    E nem as canta um mortal!
    — É uma terra encantada
    — Mimoso jardim de fada —
    Do mundo todo invejada,
    Que o mundo não tem igual.

    Não, não tem, que Deus fadou-a
    Dentre todas — a primeira:
    Deu-lhe esses campos bordados,
    Deu-lhe os leques das palmeiras.
    E a borboleta que adeja.
    Sobre as flores que ela beija.
    Quando o vento rumoreja
    Nas folhagens da mangueira.

    É um país majestoso
    Essa terra de Tupã,
    Desd’o Amazonas ao Prata,
    Do Rio Grande ao Pará!
    — Tem serranias gigantes
    E tem bosques verdejantes
    Que repetem incessantes
    Os cantos do sabiá.
    (...)
    (Casimiro de Abreu)

    Em sua “Canção do Exílio” continua seguindo a mesma temática, apenas acrescentando ao poema uma referência à sua infância, à figura materna e substituindo “palmeiras” por “laranjeiras”.
    Essa “Canção do Exílio” foi escrita em Lisboa, no ano de 1857. O poema soa como uma premonição de um desejo que na verdade se realizou, já que morreu aos 21 anos de idade, em terras brasileiras.

    Canção do Exílio

    Se eu tenho que morrer na flor dos anos
    Meu Deus! não seja já:
    Eu quero ouvir na laranjeira, à tarde,
    Cantar o sabiá!

    Meu Deus, eu sinto e tu bem vês que eu morro
    Respirando êste ar;
    Faz que eu viva, Senhor! dá-me de novo
    Os gozos do meu lar!

    O país estrangeiro mais belezas
    Do que a pátria não tem;
    E este mundo não vale um só de beijos
    Tão doces de uma mãe!

    Dá-me os sítios gentis onde eu brincava
    Lá na quadra infantil;
    Dá que eu veja uma vez o céu da pátria,
    O céu do meu Brasil!

    Se eu tenho de morrer na flor dos anos
    Meu Deus! não seja já:
    Eu quero ouvir na laranjeira, à tarde,
    Cantar o sabiá!
    (Casimiro de Abreu)


    O modernista Murilo Mendes, em 1930, também revisitou a Canção do Exílio de Gonçalves Dias. Se o poema de Gonçalves Dias e o Hino Nacional são uma exaltação ufanista da natureza brasileira, os versos de Murilo Mendes tem intenção oposta, pois pretendem ridicularizar esse nacionalismo exaltado.
    Murilo escreve sua "Canção do Exílio", empregando o mesmo tom paródico-piadista de Oswald de Andrade. Em sua “Canção do Exílio”, utiliza o mesmo humor e sátira de Oswald, porém de forma mais ousada denuncia a invasão cultural estrangeira no Brasil. Seu poema critica a realidade cultural brasileira. Ele não aceita tudo o que vêm de fora já que também temos coisas boas que devem ser valorizadas. As nossas frutas, como são exportadas, tem o preço elevado e o poeta é um exilado em sua própria terra.
    Sua terra se torna verdadeiramente seu Brasil, quando manifesta a vontade de “chupar uma carambola de verdade” e de ouvir um sabiá (pássaro ou povo), que tenha certidão de nascimento brasileira, cantar.

    Canção do Exílio

    Minha terra tem macieiras da Califórnia
    onde cantam gaturamos de Veneza.
    Os poetas da minha terra
    são pretos que vivem em torres de ametista,
    os sargentos do exército são monistas, cubistas.
    Os filósofos são polacos vendendo a prestações.
    A gente não pode dormir
    com os oradores e os pernilongos.
    Os sururus em família têm por testemunha a Gioconda.
    Eu morro sufocado
    em terra estrangeira.
    Nossa flores são mais bonitas
    nossas frutas mais gostosas
    mas custam cem mil-réis a dúzia.

    Ai quem me dera chupar uma carambola de verdade
    e ouvir um sabiá com certidão de identidade!
    (Murilo Mendes)