segunda-feira, 7 de março de 2011

Contos preferidos


A Caolha


                   Um conto que revela não somente as minúcias incompreensíveis do amor incondicional
de mãe mas  as dimensões do sentimento humano, complexos e contraditórios.
Júlia Lopes de Almeida revela porque consagra-se como uma das maiores escritoras brasileiras.
Em "A Caolha", escrito em uma época quando escrever era uma arte masculina, Júlia se estabelece pioneira, a abrir caminho para um prolífero legado literário brasileiro.

A CAOLHA
por Júlia Lopes de Almeida
foto por leandro justen

A caolha era uma mulher magra, alta, macilenta, peito fundo, busto arqueado, braços compridos, delgados, largos nos cotovelos, grossos nos pulsos; mãos grandes, ossudas, estragadas pelo reumatismo e pelo trabalho; unhas grossas, chatas e cinzentas, cabelo crespo, de uma cor indecisa entre o branco sujo e o louro grisalho, desse cabelo cujo contato parece dever ser áspero e espinhento; boca descaída, numa expressão de desprezo, pescoço longo, engelhado, como o pescoço dos urubus; dentes falhos e cariados.
O seu aspecto infundia terror às crianças e repulsão aos adultos; não tanto pela sua altura e extraordinária magreza, mas porque a desgraçada tinha um defeito horrível: haviam lhe extraído o olho esquerdo; a pálpebra descera mirrada, deixando, contudo, junto ao lacrimal, uma fístula continuamente porejante.
Era essa pinta amarela sobre o fundo denegrido da olheira, era essa destilação incessante de pus que a tornava repulsiva aos olhos de toda gente.
Morava numa casa pequena, paga pelo filho único, operário numa fábrica de alfaiate; ela lavava a roupa para os hospitais e dava conta de todo o serviço da casa inclusive cozinha. O filho, enquanto era pequeno, comia os pobres jantares feitos por ela, às vezes até no mesmo prato; à proporção que ia crescendo, ia-se a pouco e pouco manifestando na fisionomia a repugnância por essa comida; até que um dia, tendo já um ordenadozinho, declarou à mãe que, por conveniência do negócio, passava a comer fora...
Ela fingiu não perceber a verdade, e resignou-se.
Daquele filho vinha-lhe todo o bem e todo o mal.

Que lhe importava o desprezo dos outros, se o seu filho adorado lhe pagasse com um beijo todas as amarguras da existência?

Um beijo dele era melhor que um dia de sol, era a suprema carícia para o triste coração de mãe! Mas... os beijos foram escasseando também, com o crescimento do Antonico! Em criança ele apertava-a nos braços e enchia-lhe a cara de beijos; depois, passou a beijá-la só na face direita, aquela onde não havia vestígios de doença; agora, limitava-se a beijar-lhe a mão!
Ela compreendia tudo e calava-se.
O filho não sofria menos.
Quando em criança entrou para a escola pública da freguesia, começaram logo os colegas, que o viam ir e vir com a mãe, a chamá-lo - o filho da caolha.
Aquilo exasperava-o; respondia sempre:
- Eu tenho nome!
Os outros riam e chacoteavam-no; ele se queixava aos mestres, os mestres ralhavam com os discípulos, chegavam mesmo a castigá-los - mas a alcunha pegou. Já não era só na escola que o chamavam assim.
Na rua, muitas vezes, ele ouvia de uma ou outra janela dizerem: o filho da caolha! Lá vai o filho da caolha! Lá vem o filho da caolha!
Eram as irmãs dos colegas, meninas novas, inocentes e que, industriadas pelos irmãos, feriam o coração do pobre Antonico cada vez que o viam passar!
As quitandeiras, onde iam comprar as goiabas ou as bananas para o lanche, aprenderam depressa a denominá-lo como os outros, e, muitas vezes, afastando os pequenos que se aglomeravam ao redor delas, diziam, estendendo uma mancheia de araçás, com piedade e simpatia:
- Taí, isso é para o filho da caolha!
O Antonico preferia não receber o presente a ouvi-lo acompanhar de tais palavras; tanto mais que os outros, com inveja, rompiam a gritar, cantando em coro, num estribilho já combinado:
- Filho da caolha, filho da caolha!

O Antonico pediu à mãe que não o fosse buscar à escola; e muito vermelho, contou-lhe a causa; sempre que o viam aparecer à porta do colégio os companheiros murmuravam injúrias, piscavam os olhos para o Antonico e faziam caretas de náuseas.

A caolha suspirou e nunca mais foi buscar o filho.
Aos onze anos o Antonico pediu para sair da escola: levava a brigar com os condiscípulos, que o intrigavam e malqueriam. Pediu para entrar para uma oficina de marceneiro. Mas na oficina de marceneiro aprenderam depressa a chamá-lo - o filho da caolha, a humilhá-lo, como no colégio.

Além de tudo, o serviço era pesado e ele começou a ter vertigens e desmaios. Arranjou então um lugar de caixeiro de venda: os seus colegas agruparam-se à porta, insultando-o, e o vendeiro achou prudente mandar o caixeiro embora, tanto que a rapaziada ia-lhe dando cabo do feijão e do arroz expostos à porta nos sacos abertos! Era uma contínua saraivada de cereais sobre o pobre Antonico!

Depois disso passou um tempo em casa, ocioso, magro, amarelo, deitado pelos cantos, dormindo às moscas, sempre zangado e sempre bocejante! Evitava sair de dia e nunca, mas nunca, acompanhava a mãe; esta poupava-o: tinha medo que o rapaz, num dos desmaios, lhe morresse nos braços, e por isso nem sequer o repreendia! Aos dezesseis anos, vendo-o mais forte, pediu e obteve-lhe, a caolha, um lugar numa oficina de alfaiate. A infeliz mulher contou ao mestre toda a história do filho e suplicou-lhe que não deixasse os aprendizes humilhá-lo; que os fizesse terem caridade!
Antonico encontrou na oficina uma certa reserva e silêncio da parte dos companheiros; quando o mestre dizia: sr. Antonico, ele percebia um sorriso mal oculto nos lábios dos oficiais; mas a pouco e pouco essa suspeita, ou esse sorriso, se foi desvanecendo, até que principiou a sentir-se bem ali.
Decorreram alguns anos e chegou a vez de Antonico se apaixonar. Até aí, numa ou outra pretensão de namoro que ele tivera, encontrara sempre uma resistência que o desanimava, e que o fazia retroceder sem grandes mágoas. Agora, porém, a coisa era diversa: ele amava!
Amava como um louco a linda moreninha da esquina fronteira, uma rapariguinha adorável, de olhos negros como veludos e boca fresca como um botão de rosa. O Antonico voltou a ser assíduo em casa e expandia-se mais carinhosamente com a mãe; um dia, em que viu os olhos da morena fixarem os seus, entrou como um louco no quarto da caolha e beijou-a mesmo na face esquerda, num transbordamento de esquecida ternura!

Aquele beijo foi para a infeliz uma inundação de júbilo! Tornara a encontrar o seu querido filho! Pôs-se a cantar toda a tarde, e nessa noite, ao adormecer, dizia consigo:
- Sou muito feliz... o meu filho é um anjo!
Entretanto, o Antonico escrevia, num papel fino, a sua declaração de amor à vizinha. No dia seguinte mandou-lhe cedo a carta. A resposta fez-se esperar. Durante muitos dias Antonico perdia-se em amarguradas conjecturas.
Ao princípio pensava: - É o pudor.
Depois começou a desconfiar de outra causa; por fim recebeu uma carta em que a bela moreninha confessava consentir em ser sua mulher, se ele se separasse completamente da mãe!
Vinham explicações confusas, mal alinhavadas: lembrava a mudança de bairro; ele ali era muito conhecido por filho da caolha, e bem compreendia que ela não se poderia sujeitar a ser alcunhada em breve de - nora da caolha, ou coisa semelhante!
O Antonico chorou! Não podia crer que a sua casta e gentil moreninha tivesse pensamentos tão práticos!
Depois o seu rancor se voltou para a mãe.
Ela era a causadora de toda a sua desgraça! Aquela mulher perturbara a sua infância, quebrara-lhe todas as carreiras, e agora o seu mais brilhante sonho de futuro sumia-se diante dela!
Lamentava-se por ter nascido de mulher tão feia, e resolveu procurar meio de separar-se dela; iria considerar-se humilhado continuando sob o mesmo teto; havia de protegê-la de longe, vindo de vez em quando vê-la à noite, furtivamente...
Salvava assim a responsabilidade do protetor e, ao mesmo tempo, consagraria à sua amada a felicidade que lhe devia em troca do seu consentimento e amor...
Passou um dia terrível; à noite, voltando para casa levava o seu projeto e a decisão de o expor à mãe.
A velha, agachada à porta do quintal, lavava umas panelas com um trapo engordurado. O Antonico pensou:
"Ao dizer a verdade eu havia de sujeitar minha mulher a viver em companhia de... uma tal criatura?" Estas últimas palavras foram arrastadas pelo seu espírito com verdadeira dor. A caolha levantou para ele o rosto, e o Antonico, vendo-lhe o pus na face, disse:
- Limpe a cara, mãe...
Ela sumiu a cabeça no avental; ele continuou:
- Afinal, nunca me explicou bem a que é devido esse defeito!
- Foi uma doença, - respondeu sufocadamente a mãe - é melhor não lembrar isso!
- E é sempre a sua resposta: é melhor não lembrar isso! Por quê?
- Porque não vale a pena; nada se remedeia...
- Bem! Agora escute: trago-lhe uma novidade. O patrão exige que eu vá dormir na vizinhança da loja... já aluguei um quarto; a senhora fica aqui e eu virei todos os dias saber da sua saúde ou se tem necessidade de alguma coisa... É por força maior; não temos remédio senão sujeitar-nos!...
Ele, magrinho, curvado pelo hábito de costurar sobre os joelhos, delgado e amarelo como todos os rapazes criados à sombra das oficinas, onde o trabalho começa cedo e o serão acaba tarde, tinha lançado naquelas palavras toda a sua energia, e espreitava agora a mãe com um olhar desconfiado e medroso.
A caolha se levantou e, fixando o filho com uma expressão terrível, respondeu com doloroso desdém:
- Embusteiro! O que você tem é vergonha de ser meu filho! Saia! Que eu também já sinto vergonha de ser mãe de semelhante ingrato!
O rapaz saiu cabisbaixo, humilde, surpreso da atitude que assumira a mãe, até então sempre paciente e cordata; ia com medo, maquinalmente, obedecendo à ordem que tão feroz e imperativamente lhe dera a caolha.
Ela o acompanhou, fechou com estrondo a porta, e vendo-se só, encostou-se cabaleante à parede do corredor e desabafou em soluços.
O Antonico passou uma tarde e uma noite de angústia.
Na manhã seguinte o seu primeiro desejo foi voltar à casa; mas não teve coragem; via o rosto colérico da mãe, faces contraídas, lábios adelgaçados pelo ódio, narinas dilatadas, o olho direito saliente, a penetrar-lhe até o fundo do coração, o olho esquerdo arrepanhado, murcho - murcho e sujo de pus; via a sua atitude altiva, o seu dedo ossudo, de falanges salientes, apontando-lhe com energia a porta da rua; sentia-lhe ainda o som cavernoso da voz, e o grande fôlego que ela tomara para dizer as verdadeiras e amargas palavras que lhe atirara no rosto; via toda a cena da véspera e não se animava a arrostar com o perigo de outra semelhante.
Providencialmente, lembrou-se da madrinha, única amiga da caolha, mas que, entretanto, raramente a procurava.
Foi pedir-lhe que interviesse, e contou-lhe sinceramente tudo o que houvera.
A madrinha escutou-o comovida; depois disse:
- Eu previa isso mesmo, quando aconselhava tua mãe a que te dissesse a verdade inteira; ela não quis, aí está!
- Que verdade, madrinha?
- Encontraram a caolha a tirar umas nódoas do fraque do filho - queria mandar-lhe a roupa limpinha. A infeliz se arrependera das palavras que dissera e tinha passado a noite à janela, esperando que o Antonico voltasse ou passasse apenas... Via o porvir negro e vazio e já se queixava de si! Quando a amiga e o filho entraram, ela ficou imóvel: a surpresa e a alegria amarraram-lhe toda a ação.
A madrinha do Antonico começou logo:
- O teu rapaz foi suplicar-me que te viesse pedir perdão pelo que houve aqui ontem e eu aproveito a ocasião para, à tua vista, contar-lhe o que já deverias ter-lhe dito!

- Cala-te! - murmurou com voz apagada a caolha.
- Não me calo! Essa pieguice é que te tem prejudicado! Olha, rapaz! Quem cegou a tua mãe foste tu!

O afilhado tornou-se lívido; e ela concluiu:
- Ah, não tiveste culpa! Eras muito pequeno quando, um dia, ao almoço, levantaste na mãozinha um garfo; ela estava distraída, e antes que eu pudesse evitar a catástrofe, tu o enterraste pelo olho esquerdo! Ainda tenho no ouvido o grito de dor que ela deu!
O Antonico caiu pesadamente de bruços, com um desmaio; a mãe acercou-se rapidamente dele, murmurando trêmula:
- Pobre filho! Vês? Era por isto que eu não queria dizer nada!




                             À margem do Rio
      
        Foi no começo do verão que montaram o circo na margem esquerda do rio.A tenda de lona ficava a duzentos metros da ponte que dá acesso do centro da cidade aos bairros altos que seguem o contorno antigo de uma colina.A companhia não era muito conhecida mas o material parecia novo e e anúncio dos espetáculos incluía os números usuais e globo da morte, no qual duas motocicletas negras disparavam de cima para baixo e de um lado para outro dirigidas por pilotos protegidos por roupas de couro e óculos de celuloide amarelo.
             A lona tinha sido erguida sobre um terreno maior que o necessário, pois perto dali ficava o pequeno parque de diversões que pertencia ao dono do circo, um senhor gordo e barbudo que não tirava o fraque e a cartola nem nos dias de sol. Os animais eram poucos e as jaulas de grades azuis ficavam a poucos metros da água; o que mais atraía os espectadores  principalmente as crianças, era um urso-pardo que dormia o tempo todo anestesiado pelo calor.
            À noite o ambiente se transformava: os holofotes coloridos se acendiam e os reflexos batiam nas árvores, no rio, na ponte de aço e nas nuvens mais baixas do ceu. O vento que soprava ao longo das margens encontrava pouca resistência porque a vegetação tinha sido cortada rente e o ar encanado entrava pela porta do circo fazendo ranger a construção em cujo mastro tremulava o emblema branco e vermelho da companhia. Assim que as lãmpadas brilhavam, o nome do circo piscava nas letras de néon e as filas se aproximavam dos guichês, enquanto os meninos enfiavam as cabeças e os corpos miúdos por baixo da tenda cravada com pinos de ferro no chão.Quem conseguia passar podia contemplar o circo arfando como um pulmão sobre as galerias, as arquibancadas de madeira, as cordas e os trapézios que dançavam movidos pela brisa do alto.
               Foi numa dessas noites que, no outro lado da cidade , pulei a janela do meu quarto e cheguei quase sem fôlego à ponte sobre o rio.O encontro com o circo iluminado foi um choque e eu descobri que valia a pena sair de casa: a visão era uma surpresa e as emoções recentes como um jato na nuca - principalmente por causa da bailarina jovem a quem devia encontrar perto dos guichês. ela era mais velha e esperiente que eu mas por algum motivo voltara , sorrindo, os olhos para mim quando passava pela pérgola da praça central. Sem hesitação fui até onde ela estava e segurei suas maos nas minhas.O hálito dela era perfumado e dos lábios cheios olhei para o relógio por onde a noite caía  sobre os prédios e os telhados das casas. Ela me encarou por algum tempo e sem dizer uma palavra me abraçou. Agarrei a cintura trêmula e senti na concha das mãos as nádegas elásticas: foi o conhecimento essencial de um único momento. Quando o  crepúsculo inundou a praça ela havia escapado dos meus braços mas eu não me via só porque estava impregnado de sua roupa, de seu hálito do seu corpo e daquela ausência súbita que me cercava como uma aura.
          À noite não dormi direito e passei as horas do dia esperando anoitecer. O silêncio voltou às copas das àrvores tocadas por uma lua amarela: saltei do parapeito da janela e corri em direção ao centro da cidade. atravessei a praça da pérgola respirando pela boca, desci a ladeira de paralelepípedos até a ponte e e ao segurar a amurada de metal o frio subiu pelos músculos do meu braço.A compensação vinha da tenda inflada e do estandarte  que estalava como um aviso a cada rajada de vento no topo do mastro.
           É possível que o tempo tenha passado sem que nada me inquietasse a não ser talvez o toque dos dedos leves nos meus ombros. Era ela, que me fazia voltar o corpo para beijar meu rosto.Os olhos verdes refletiam os farois e os dentes brancos compunham o contorno da face esculpida. Eu não disse nada, nem achava necessidade de falar o que fosse. Ouvi-a pronunciar o meu nome e sussurrei o dela nos cachos do cabelo castanho.Àquela hora o trânsito na ponte parecia interminável. Ela se desembaraçou ágil do meu  abraço e desceu correndo os degraus da escada que ia até a porta do circo.Antes de entrar desatou o lenço de seda  que havia amarrado na cintura como uma cigana.Os lábios se mooviam e de repente o rosto assumiu o ar de quem pressente o perigo. Não ouvi o que disse porque a distância era grande e o marulho do rio se confundia com o rumor dos carros da ladeira. Percebi apenas que os trilhos dos trens de carga que vinham da vila industrial mais próxima vibravam com força e pra me desviar da locomotiva atravessei  a linha pisando nos dormentes. Foi nessa fração de segundo que que vi o homem de casaco de napa na calçada  em frente. Ele me fitou do fundo dos olhos escuros e, desabotoou o paletó e puxou da bainha presa no cinto a lâmina que faiscou sob a lâmpada do poste. Golpeou o ar várias vezes com a faca e depois raspou-a no granito até as fagulhas saltarem. Quando esticou o braço apontando-a para mim recuei de costas até a esquina do colégio e subi correndo a rua até cair sentado e suando num banco de jardim.
                   O jato d'água de uma fonte subia em silêncio pela noite e foi nela que lavei o rosto e molhei a nuca. Comecei então a caminhada para casa no outro lado da cidade. As árvores ainda estavam tingidas pela lua amarela, respirei o perfume de verão que havia no ar e sem saber o que fazia abri a camisa até embaixo, apalpando a cicatriz nítida que riscava de ponta a ponta  o meu ventre: era o primeiro dos vários lutos que tive de fazer na vida.
           

                     Modesto Carone

A Cartomante



Machado de Assis


Hamlet observa a Horácio que há maiscousas no céu e na terra do que sonha a nossa filosofia. Era a mesmaexplicação que dava a bela Rita ao moço Camilo, numa sexta-feira de novembrode 1869, quando este ria dela, por ter ido na véspera consultar uma cartomante;a diferença é que o fazia por outras palavras.
- Ria, ria. Os homens são assim; nãoacreditam em nada. Pois saiba que fui, e que ela adivinhou o motivo da consulta,antes mesmo que eu lhe dissesse o que era. Apenas começou a botar as cartas,disse-me: "A senhora gosta de uma pessoa..."Confessei que sim, eentão ela continuou a botar as cartas, combinou-as, e no fim declarou-me que eutinha medo de que você me esquecesse, mas que não era verdade...
- Errou! interrompeu Camilo, rindo.
- Não diga isso, Camilo. Se vocêsoubesse como eu tenho andado, por sua causa. Você sabe; já lhe disse. Nãoria de mim, não ria...
Camilo pegou-lhe nas mãos, e olhou paraela sério e fixo. Jurou que lhe queria muito, que os seus sustos pareciam decriança; em todo caso, quando tivesse algum receio, a melhor cartomante era elemesmo. Depois, repreendeu-a; disse-lhe que era imprudente andar por essas casas.Vilela podia sabê-lo, e depois...
- Qual saber! tive muita cautela, aoentrar na casa.
- Onde é a casa?
- Aqui perto, na Rua da Guarda Velha;não passava ninguém nessa ocasião. Descansa; eu não sou maluca.
Camilo riu outra vez:
- Tu crês deveras nessas cousas?perguntou-lhe.
Foi então que ela, sem saber quetraduzia Hamlet em vulgar, disse que havia muita cousa misteriosa e verdadeiraneste mundo. Se ele não acreditava, paciência; mas o certo é que a cartomanteadivinhara tudo. Que mais? A prova é que ela agora estava tranqüila esatisfeita.
Cuito que ele ia falar, mas reprimiu-se.Não queria arrancar-lhe as ilusões. Também ele, em criança, e ainda depois,foi supersticioso, teve um arsenal inteiro de crendices, que a mãe lhe incutiue que aos vinte anos desapareceram. No dia em que deixou cair toda essavegetação parasita, e ficou só o tronco da religião, ele, como se tivesserecebido da mãe ambos os ensinos, envolveu-os na mesma dúvida, e logo depoisem uma só negação total. Camilo não acreditava em nada. Por quê? Nãopoderia dizê-lo, não possuía um só argumento; limitava-se a negar tudo. Edigo mal, porque negar é ainda afirmar, e ele não formulava a incredulidade;diante do mistério, contentou-se em levantar os ombros, e foi andando.
Separaram-se contentes, ele ainda maisque ela. Rita estava certa de ser amada; Camilo, não só o estava, mas via-seestremecer a arriscar-se por ele, correr às cartomantes, e, por mais que arepreendesse, não podia deixar de sentir-se lisonjeado. A casa do encontro erana antiga Rua dos Barbonos, onde morava uma comprovinciana de Rita. Esta desceupela Rua das Mangueiras, na direção de Botafogo, onde residia; Camilo desceupela da Guarda Velha, olhando de passagem para a casa da cartomante.
Vilela, Camilo e Rita, três nomes, umaaventura e nenhuma explicação das origens. Vamos a ela. Os dois primeiros eramamigos de infância. Vilela seguiu a carreira de magistrado. Camilo entrou nofuncionalismo, contra a vontade do pai, que queria vê-lo médico; mas o paimorreu, e Camilo preferiu não ser nada, até que a mãe lhe arranjou um empregopúblico. No princípio de 1869, voltou Vilela da província, onde casara comuma dona formosa e tonta; abandonou a magistratura e veio abrir banca deadvogado. Camilo arranjou-lhe casa para os lados de Botafogo, e foi a bordorecebê-lo.
- É o senhor? exclamou Rita,estendendo-lhe a mão. Não imagina como meu marido é seu amigo; falava sempredo senhor.
Camilo e Vilela olharam-se com ternura.Eram amigos deveras.
Depois, Camilo confessou de si para sique a mulher do Vilela não desmentia as cartas do marido. Realmente, eragrandiosa e viva nos gestos, olhos cálidos, boca fina e interrogativa. Era umpouco mais velhas que ambos: contava trinta anos, Vilela vinte e nove e Camilovinte e seis. Entretanto, o porte grave de Vilela fazia-o parecer mais velho quea mulher, enquanto Camilo era um ingênuo na vida moral e prática. Faltava-lhetanto a ação do tempo, como os óculos de cristal, que a natureza põe noberço de alguns para adiantar os anos. Nem experiência, nem intuição.
Uniram-se os três. Convivência trouxeintimidade. Pouco depois morreu a mãe de Camilo, e nesse desastre, que o foi,os dois mostraram-se grandes amigos dele. Vilela cuidou do enterro, dossufrágios e do inventário, Rita tratou especialmente do coração, e ninguémo faria melhor.
Como daí chegaram ao amor, não o soubeele nunca. A verdade é que gostava de passar as horas ao lado dela; era a suaenfermeira moral, quase uma irmã, mas principalmente era mulher e bonita. Odorde femina: eis o que ele aspirava nela, e em volta dela, para incorporá-lo emsi próprio. Liam os mesmos livros, iam juntos a teatros e passeios. Camiloensinou-lhe as damas e o xadrez e jogavam às noites; - ela mal, - ele, para lheser agradável, pouco menos mal. Até aí as cousas. Agora a ação da pessoa,os olhos teimosos de Rita, que procuravam muita vez os dele, que os consultavamantes de o fazer ao marido, as mãos frias, as atitudes insólitas. Um dia,fazendo ele anos, recebeu de Vilela uma rica bengala de presente, e de Ritaapenas um cartão com um vulgar cumprimento a lápis, e foi então que ele pôdeler no próprio coração; não conseguia arrancar os olhos do bilhetinho.Palavras vulgares; mas há vulgaridades sublimes, ou , pelo menos, deleitosas. Avelha caleça de praça, em que pela primeira vez passeaste com a mulher amada,fechadinhos ambos, vale o carro de Apolo. Assim é o homem, assim são as cousasque o cercam.
Camilo quis sinceramente fugir, mas jánão pôde. Rita, como uma serpente, foi-se acercando dele, envolveu-o todo,fez-lhe estalar os ossos num espasmo, e pingou-lhe o veneno na boca. Ele ficouatordoado e subjugado. Vexame, sustos, remorsos, desejos, tudo sentiu demistura; mas a batalha foi curta e a vitória delirante. Adeus, escrúpulos!Não tardou que o sapato se acomodasse ao pé, e aí foram ambos, estrada fora,braços dados, pisando folgadamente por cima de ervas e pedregulhos, sem padecernada mais que algumas saudades, quando estavam ausentes um do outro. Aconfiança e estima de Vilela continuavam a ser as mesmas.
Um dia, porém, recebeu Camilo uma cartaanônima, que lhe chamava imoral e pérfido, e dizia que a aventura era sabidade todos. Camilo teve medo, e, para desviar as suspeitas, começou a rarear asvisitas à casa de Vilela. Este notou-lhe as ausências. Camilo respondeu que omotivo era uma paixão frívola de rapaz. Candura gerou astúcia. As ausênciasprolongaram-se, e as visitas cessaram inteiramente. Pode ser que entrassetambém nisso um pouco de amor-próprio, uma intenção de diminuir osobséquios do marido para tornar menos dura a aleivosia do ato.
Foi por esse tempo que Rita, desconfiadae medrosa, correu à cartomante para consultá-la sobre a verdadeira causa doprocedimento de Camilo. Vimos que a cartomante restituiu-lhe a confiança, e queo rapaz repreendeu-a por ter feito o que fez. Correram ainda algumas semanas.Camilo recebeu mais duas ou três cartas anônimas tão apaixonadas, que nãopodiam ser advertência da virtude, mas despeito de algum pretendente; tal foi aopinião de Rita, que, por outras palavras mal compostas, formulou estepensamento: - a virtude é preguiçosa e avara, não gasta tempo nem papel; sóo interesse é ativo e pródigo.
Nem por isso Camilo ficou maissossegado; temia que o anônimo fosse ter com Vilela, e a catástrofe viriaentão sem remédio. Rita concordou que era possível.
- Bem, disse ela; eu levo ossobrescritos para comparar a letra com as das cartas que lá aparecem; se algumafor igual, guardo-a e rasgo-a...
Nenhuma apareceu; mas daí a algum tempoVilela começou a mostrar-se sombrio, falando pouco, como desconfiado. Ritadeu-se pressa em dizê-lo ao outro, e sobre isso deliberaram. A opinião dela éque Camilo devia tornar à casa deles, tatear o marido, e pode ser até que lheouvisse a confidência de algum negócio particular. Camilo divergia; aparecerdepois de tantos meses era confirmar a suspeita ou denúncia. Mais valiaacautelarem-se, sacrificando-se por algumas semanas. Combinaram os meios de secorresponderem, em caso de necessidade, e separaram-se com lágrimas.
No dia seguinte, estando narepartição, recebeu Camilo este bilhete de Vilela: "Vem, já, já, ànossa casa; preciso falar-te sem demora". Era mais de meio-dia. Camilo saiulogo; na rua, advertiu que teria sido mais natural chamá-lo ao escritório; porque em casa? Tudo indicava matéria especial, e a letra, fosse realidade ouilusão, afigurou-se-lhe trêmula. Ele combinou todas essas cousas com anotícia da véspera.
- Vem, já, já, à nossa casa; precisofalar-te sem demora, - repetia ele com os olhos no papel.
Imaginariamente, viu a ponta da orelhade um drama, Rita subjugada e lacrimosa, Vilela indignado, pegando da pena eescrevendo o bilhete, certo de que ele acudiria, e esperando-o para matá-lo.Camilo estremeceu, tinha medo; depois sorriu amarelo, e em todo casorepugnava-lhe a idéia de recuar, e foi andando. De caminho, lembrou-se de ir acasa; podia achar algum recado de Rita, que lhe explicasse tudo. Não achounada, nem ninguém. Voltou à rua, e a idéia de estarem descobertos parecia-lhecada vez mais verossímil; era natural uma denúncia anônima, até da própriapessoa que o ameaçara antes; podia ser que Vilela conhecesse agora tudo. Amesma suspensão das suas visitas, sem motivo aparente, apenas com um pretextofútil, viria confirmar o resto.
Camilo ia andando inquieto e nervoso.Não relia o bilhete, mas as palavras estavam decoradas, diante dos olhos,fixas; ou então, - o que era ainda pior, - eram-lhe murmuradas ao ouvido, com aprópria voz de Vilela. "Vem já, já, à nossa casa; preciso falar-te semdemora." Ditas assim, pela voz do outro, tinham um tom de mistério eameaça. Vem, já, já, para quê? Era perto de uma hora da tarde. A comoçãocrescia de minuto a minuto. Tanto imaginou o que se iria passar, que chegou acrê-lo e vê-lo. Positivamente, tinha medo. Entrou a cogitar em ir armado,considerando que, se nada houvesse, nada perdia, e a precaução era útil. Logodepois rejeitava a idéia, vexado de si mesmo, e seguia, picando o passo, nadireção do Largo da Carioca, para entrar num tílburi. Chegou, entrou e mandouseguir a trote largo.
"Quando antes, melhor, pensou ele;não posso estar assim..."
Mas o mesmo trote do cavalo veioagravar-lhe a comoção. O tempo voava, e ele não tardaria a entestar com operigo. Quase no fim da Rua da Guarda Velha, o tílburi teve de parar; a ruaestava atravancada com uma carroça, que caíra. Camilo, em si mesmo, estimou oobstáculo, e esperou. No fim de cinco minutos, reparou que ao lado, àesquerda, ao pé do tílburi, ficava a casa da cartomante, a quem Ritaconsultara uma vez, e nunca ele desejou tanto crer na lição das cartas. Olhou,viu as janelas fechadas, quando todas as outras estavam abertas e pejadas decuriosos do incidente da rua. Dir-se-ia a morada do indiferente Destino.
Camilo reclinou-se no tílburi, paranão ver nada. A agitação dele era grande, extraordinária, e do fundo dascamadas morais emergiam alguns fantasmas de outro tempo, as velhas crenças, assuperstições antigas. O cocheiro propôs-lhe voltar à primeira travessa, e irpor outro caminho; ele respondeu que não, que esperasse. E inclinava-se parafitar a casa... Depois fez um gesto incrédulo: era a idéia de ouvir acartomante, que lhe passava ao longe, muito longe, com vastas asas cinzentas;desapareceu, reapareceu, e tornou a esvair-se no cérebro; mas daí a poucomoveu outra vez as asas, mais perto, fazendo uns giros concêntricos... Na rua,gritavam os homens, safando a carroça.
- Anda! agora! empurra! vá! vá!
Daí a pouco estaria removido oobstáculo. Camilo fechava os olhos, pensava em outras cousas; mas a voz domarido sussurrava-lhe às orelhas as palavras da carta: "Vem, já,já..." E ele via as contorções do drama e tremia. A casa olhava paraele. As pernas queriam descer e entrar... Camilho achou-se diante de um longovéu opaco... pensou rapidamente no inexplicável de tantas cousas. A voz damãe repetia-lhe uma porção de casos extraordinários; e a mesma frase dopríncipe da Dinamarca reboava-lhe dentro: "Há mais cousas no céu e naterra do que sonha a filosofia..." Que perdia ele, se...?
Deu por si na calçada, ao pé da porta;disse ao cocheiro que esperasse, e rápido enfiou pelo corredor, e subiu aescada. A luz era pouca, os degraus comidos dos pés, o corrimão pegajoso; masele não viu nem sentiu nada. Trepou e bateu. Não aparecendo ninguém, teveidéia de descer; mas era tarde, a curiosidade fustigava-lhe o sangue, as fonteslatejavam-lhe; ele tornou a bater uma, duas, três pancadas. Veio uma mulher;era a cartomante. Camilo disse que ia consultá-la, ela fê-lo entrar. Dalisubiram ao sótão, por uma escada ainda pior que a primeira e mais escura. Emcima havia uma salinha, mal alumiada por uma janela, que dava para o telhado dosfundos. Velhos trastes, paredes sombrias, um ar de pobreza, que antes aumentavado que destruía o prestígio.
A cartomante fê-lo sentar diante damesa, e sentou-se do lado oposto, com as costas para a janela, de maneira que apouca luz de fora batia em cheio no rosto de Camilo. Abriu uma gaveta e tirou umbaralho de cartas compridas e enxovalhadas. Enquanto as baralhava, rapidamente,olhava para ele, não de rosto, mas por baixo dos olhos. Era uma mulher dequarenta anos, italiana, morena e magra, com grandes olhos sonsos e agudos.Voltou três cartas sobre a mesa, e disse-lhe:
- Vejamos primeiro o que é que o trazaqui. O senhor tem um grande susto...
Camilo, maravilhado, fez um gestoafirmativo.
- E quer saber, continuou ela, se lheacontecerá alguma cousa ou não...
- A mim e a ela, explicou vivamente ele.
A cartomante não sorriu; disse-lhe sóque esperasse. Rápido pegou outra vez das cartas e baralhou-as, com os longosdedos finos, de unhas descuradas; baralhou-as bem, transpôs os maços, uma,duas, três vezes; depois começou a estendê-las. Camilo tinha os olhos nela,curioso e ansioso.
- As cartas dizem-me...
Camilo inclinou-se para beber uma a umaas palavras. Então ela declarou-lhe que não tivesse medo de nada. Nadaaconteceria nem a um nem a outro; ele, o terceiro, ignorava tudo. Não obstante,era indispensável muita cautela; ferviam invejas e despeitos. Falou-lhe do amorque os ligava, da beleza de Rita... Camilo estava deslumbrado. A cartomanteacabou, recolheu as cartas e fechou-as na gaveta.
- A senhora restituiu-me a paz aoespírito, disse ele estendendo a mão por cima da mesa e apertando a dacartomante.
Esta levantou-se, rindo.
- Vá, disse ela; vá, ragazzoinnamorato...
E de pé, como o dedo indicador,tocou-lhe a testa. Camilo estremeceu, como se fosse a mão da própria sibila, elevantou-se também. A cartomante foi à cômoda, sobre a qual estava um pratode passas, tirou um cacho destas, começou a despencá-las e comê-las,mostrando duas fileiras de dentes que desmentiam as unhas. Nessa mesma açãocomum, a mulher tinha um ar particular. Camilo, ansioso por sair, não sabiacomo pagasse; ignorava o preço.
- Passas custam dinheiro, disse eleafinal, tirando a carteira. Quantas quer mandar buscar?
- Pergunte ao seu coração, respondeuela.
Camilo tirou uma nota de dez mil-réis,e deu-lha. Os olhos da cartomante fuzilaram. O preço usual era dois mil-réis.
- Vejo bem que o senhor gosta muitodela... E faz bem; ela gosta muito do senhor. Vá, vá, tranqüilo. Olhe aescada, é escura; ponha o chapéu...
A cartomante tinha já guardado a notana algibeira, e descia com ele, falando, com um leve sotaque. Camilo despediu-sedela embaixo, e desceu a escada que levava à rua, enquanto a cartomante, alegrecom a paga, tornava acima, cantarolando uma barcarola. Camilo achou o tílburiesperando; a rua estava livre. Entrou e seguiu a trote largo.
Tudo lhe parecia agora melhor, as outrascousas traziam outro aspecto, o céu estava límpido e as caras joviais. Chegoua rir dos seus receios, que chamou pueris; recordou os termos da carta de Vilelae reconheceu que eram íntimos e familiares. Onde é que ele lhe descobrira aameaça? Advertiu também que eram urgentes, e que fizera mal em demorar-setanto; podia ser algum negócio grave e gravíssimo.
- Vamos, vamos depressa, repetia ele aococheiro.
E consigo, para explicar a demora ao amigo, engenhou qualquer cousa; parece que formou também o plano de aproveitar o incidente para tornar à antiga assiduidade... De volta com os planos,reboavam-lhe na alma as palavras da cartomante. Em verdade, ela adivinhara oobjeto da consulta, o estado dele, a existência de um terceiro; por que nãoadivinharia o resto? O presente que se ignora vale o futuro. Era assim, lentas econtínuas, que as velhas crenças do rapaz iam tornando ao de cima, e omistério empolgava-o com as unhas de ferro. Às vezes queria rir, e ria de simesmo, algo vexado; mas a mulher, as cartas, as palavras secas e afirmativas, aexortação: -Vá, vá, ragazzo innamorato; e no fim, ao longe, a barcarola dadespedida, lenta e graciosa, tais eram os elementos recentes, que formavam, comos antigos, uma fé nova e vivaz.
A verdade é que o coração ia alegre eimpaciente, pensando nas horas felizes de outrora e nas que haviam de vir. Aopassar pela Glória, Camilo olhou para o mar, estendeu os olhos para fora, atéonde a água e o céu dão um abraço infinito, e teve assim uma sensação dofuturo, longo, longo, interminável.
Daí a pouco chegou à casa de Vilela.Apeou-se, empurrou a porta de ferro do jardim e entrou. A casa estavasilenciosa. Subiu os seis degraus de pedra, e mal teve tempo de bater, a portaabriu-se, e apareceu-lhe Vilela.
- Desculpa, não pude vir mais cedo; quehá?
Vilela não lhe respondeu; tinha asfeições descompostas; fez-lhe sinal, e foram para uma saleta interior.Entrando, Camilo não pôde sufocar um grito de terror: - ao fundo sobre ocanapé, estava Rita morta e ensangüentada. Vilela pegou-o pela gola, e, comdois tiros de revólver, estirou-o morto na chão.


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Análise 

 

A Cartomante de Machado de Assis

O conto A Cartomante, de Machado de Assis, mostra a visão objetiva e pessimista da vida, do mundo e das pessoas (abolição do final feliz). A autor faz uma análise psicológica das contradições humanas na criação de personagens imprevisíveis, jogando com insinuações em que se misturam a ingenuidade e malícia, sinceridade e hipocrisia.

Crítica humorada e irônica das situações humanas, das relações entre os personagens e seus padrões de comportamento. Linguagem sóbria que, entretanto, não despreza os detalhes necessários a uma análise profunda da psicologia humana.

Envolvimento do leitor pela oralidade da linguagem. A historia é repleta de "conversas" que o narrador estabelece freqüentemente com o leitor, transformando-o em cúmplice e participante do enredo (metalinguagem).

Citação de um autor clássico (shakespeare) intertextualidade; reflexão sobre a mesquinhez humana e a precariedade da sorte humana. Os aspectos externos (tempo cronológico, espaço, paisagem) são apenas pontos de referência, sem merecerem maior destaque.

Estilo

A Cartomante é um conto onde podemos observar características marcantes do estilo de Machado de Assis. O uso de metáforas constantes, o comportamento imprevisível dos personagens e seu valor filosófico, o uso de comparações superlativas, bem como a ambigüidade em seus personagens.

O autor usa intertextualizações literárias, e o recurso da narrativa onisciente, para dinamizar o relato da história acentuando os momentos dramáticos do texto. Usa este recurso que eleva e prolonga o suspensa da história, mantendo o leitor atento durante todo o desenrolar do conto.

Sem estes ingredientes, sem dúvida o texto não teria a mesma dinâmica e seu epílogo não teria a mesma ênfase. Sem os pretextos machadianos facilmente saberíamos o desfecho da história ao lermos suas primeiras linhas. O uso destes atributos faz com que a historia gire em torno de seu próprio eixo dramatical sem que percebemos o uso desta técnica literária.

Foco narrativo

A historia é narrada em terceira pessoa. Existe a presença onisciente do autor, que usa desta onisciência na narração e descrição dos fatos. O uso constante de uma voz onisciente é importante para dinamizar o relato da historia acentuando os momentos dramáticos do texto e conflitos internos dos personagens, fortalecendo seu epílogo.

Sem essas características o texto tornar-se-ia monótono, pois a primeira leitura saberíamos de antemão seu desfecho. Também através deste recurso, o autor vai situando o leitor durante o curso da historia, ilustrando fatos e intertextualizando a narrativa.

Personagens

Embora a trama gire em torno de 4 personagens principais Vilela, Camilo, Rita e a cartomante (incógnita), existem outros personagens que não participam diretamente na trama, mas suas participações são determinantes no enredo da história.

A morte da mãe de Vilela, que é uma personagem secundária tem papel fundamental no envolvimento amoroso dos personagens Camilo e Rita. O autor analisa e enfatiza psicologicamente todos os personagens preconizando seus conflitos internos bem como seus temores.

Enredo

Está o tema do triângulo amoroso e do adultério, já presente nas Memórias (Brás Cubas, Virgília, Lobo Neves). Os amigos de infância Camilo e Vilela, depois de longos anos de distância, reencontram-se. Vilela casara-se com Rita, que mais tarde seria apresentada ao amigo. O resto é paixão, traição, adultério.

A situação arriscada leva a jovem a consultar-se com uma cartomante, que lhe prevê toda a sorte de alegrias e bem-aventuranças.

O namorado, embora cético, na iminência de atender a um chamado urgente de seu amigo Vilela, atormentado pala consciência, busca as palavras da mesma cartomante, que também lhe antecipa um futuro sorridente.

Dois tiros à queima-roupa ao lado do cadáver de Rita o esperavam. A vitória do ceticismo coroa o episódio.

Conto que surpreende pela excelente estrutura narrativa, dividida em três partes.

Na primeira, introdutória, fica-se sabendo que Rita, dotada de espírito ingênuo, havia consultado uma cartomante, achando que seu amante, Camilo, deixara de amá-la, já que não visitava mais sua casa. Desfeito o mal-entendido, faz-se um flashback que vai explicar como se montou tal relação. Camilo era amigo, desde longínqua data, de Vilela. Tempos depois, este se casa com Rita. A amizade estreita a intimidade entre Camilo e Rita, ainda mais depois da morte da mãe dele. Quando sente sua atração pela esposa do amigo, tenta evitar, mas, enfim, cai seduzido. Até que recebe uma carta anônima, que deixava clara a relativa notoriedade da sua união com a esposa do seu amigo. Temeroso, resolve, pois, evitar contato com a casa de Vilela, o que deixa Rita preocupada.

Terminada essa recapitulação, vai-se para a parte crucial do conto. Camilo  recebe um bilhete de Vilela apenas com a seguinte mensagem: “Vem já, já”. Seu raciocínio lógico já faz desconfiar que o amigo havia descoberto tudo. Parte de imediato, mas seu tílburi (espécie de carruagem de aluguel que equivaleria, hoje, a um táxi) fica preso no tráfego por causa de um acidente. Nota uma estranha coincidência: está parado justamente ao lado da casa da cartomante. Depois de um intenso conflito interior, decide consultá-la. Seu veredicto é dos mais animadores, prometendo felicidade no relacionamento e um futuro maravilhoso. Aliviado, assim como o tráfego, parte para a casa de Vilela. Assim que foi recebido, pôde ver, pela porta que lhe é aberta, além do rosto desfigurado de raiva de Vilela, o corpo de Rita sobre o sofá. Seria, portanto, a próxima vítima do marido traído.

Note neste conto sua estrutura em anticlímax, pois tudo nele (já a partir da citação inicial da famosa frase de Hamlet: “há mais cousas no céu e na terra do que sonha a nossa filosofia”) nos prepara para um final em que o misticismo, o mistério imperaria. No entanto, seu final é o mais realista e lógico, já engendrado no próprio bojo do conto. Reforça esse aspecto o ritmo da narrativa, que é lento em sua maioria, contrastando com seu desfecho, por demais abrupto. E não se esqueça da presença de um quê de ironia nesse contraste entre corpo da narrativa e o seu final
“A Cartomante” é um conto cheio de mistérios, onde o personagem Camilo pode ser
comparado com Édipo, de Édipo Rei, pois assim como Édipo, Camilo também é um cego
de juízo, não enxerga a verdade a sua frente, vai se enganando, não vê seu próprio destino,
busca a verdade sobre si mesmo, tornando-o um herói trágico, pois conhecer seu destino o
leva a sua decadência.
Esse conto apresenta uma forte relação de destino, um entrechoque entre céu e terra,
em que a cartomante vê os mistérios do céu e passa para as pessoas da terra. A frase de
Shakespeare é a espinha dorsal do conto, que demonstra claramente esse relação de
mistério dentro do conto.
O conto “A Cartomante”, apresenta o IN MEDIA RES (no meio do processo), pois
o conto começa no presente, volta para o passado, apresenta também uma linguagem mais
simples e popular, tem a presença de metáforas e metonímias, dúvida constante e a falsa
certeza.
Os símbolos, assim como em qualquer conto de Machado de Assis, trazem uma
importante significação para o texto, pois, analisando-os, vamos dando vários sentidos para
a história.
A bengala representa no conto, um apoio, pois o personagem de Camilo é um cego
de juízo, é o instrumento que o ajudará a se guiar.
As cartas representam para Camilo a tortura, a desconfiança, a suspeita de que uma
tragédia está prestes a acontecer, é o sinal de que alguma coisa está errada.
Os bilhetes, que são dois no texto, um é o que Rita lhe dá de presente em seu
aniversário, o qual escrito a lápis, dá a idéia de que os sentimentos dela por ele podem ser
passageiros e superficiais. O outro é o bilhete de Vilela, que representa também uma tortura
para Camilo, levando-o a questionar-se, plantando a dúvida de maneira ainda mais
profunda, esse bilhete é a anunciação de que a tragédia vai acontecer a qualquer momento.“A Cartomante” é um conto cheio de mistérios, onde o personagem Camilo pode ser
comparado com Édipo, de Édipo Rei, pois assim como Édipo, Camilo também é um cego
de juízo, não enxerga a verdade a sua frente, vai se enganando, não vê seu próprio destino,
busca a verdade sobre si mesmo, tornando-o um herói trágico, pois conhecer seu destino o
leva a sua decadência.

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