terça-feira, 23 de outubro de 2012

Fiódor Dostoiévsk








Fiódor Mikhailovitch Dostoievski (1821-1881)



1. Fiódor Dostoievski
Considerado um dos maiores romancistas da literatura russa, Fiódor Dostoievski foi também tido como fundador do existencialismo, ao abordar de forma filosófica questões como a humilhação, autodestruição, assassinato e descrição e motivação de estados patológicos que podiam levar ao suícidio, ao homicídio e à loucura. São 'romances de ideias', pela retratação filosófica e atemporal dessas situações, tendo influenciado escolas de psicologia e teologia. Iniciou o sucesso com ' Gente pobre', o autobiográfico 'Recordações da casa dos mortos' em sua época de prisioneiro na Sibéria foi outra obra marcante, mas sua obra-prima é 'Os Irmãos Karamazov', que foi considerado "o maior romance já escrito" por Sigmund Freud.

Biografia

Fiódor Mikhailovich Dostoiévski nasceu aos 11 de novembro de 1821 em Moscou, na Rússia. Seu pai Mikhail Andriéievitch Dostoiévski, apesar de imprimir uma disciplina severa à família, incentivava os sete filhos ao amor pela cultura. Em 1837, a mãe de Dostoiévski morreu precocemente de tuberculose. A perda foi um choque para o pai, que acabou mergulhando na depressão e no alcoolismo. Fiódor e seu irmão foram então enviados à Escola de Engenharia, em São Petersburgo.

Em 1839, morreu o pai de Dostoiévski. As causas são controvertidas, e uma das versões é que o pai – que tinha fama de avaro e de violento – foi assassinado pelos servos enfurecidos com os maus tratos. Dostoiévski culpou-se durante toda a vida pelo fato de, em várias ocasiões, ter desejado a morte do pai. Essa questão da culpa, que acabou transparecendo em sua obra, foi estudada por Sigmund Freud no famoso artigo "Dostoiévski e o parricídio", de 1928.

Em 1843, concluiu os estudos de Engenharia e obteve o grau militar de subtenente. Durante esses anos, dedicou-se à tradução, incluindo a obra de Balzac, um autor que ele admirava. Em 1844 abandonou o exército e começou a escrever a novela Pobre gente, obra que recebeu uma crítica positiva no seu lançamento. Foi nesta época que contraiu dívidas e sofreu o primeiro ataque epilético. À primeira obra, seguiram-se Niétotchka Niezvânova (escrito entre 1846 e 1849), Noites brancas (1848), entre outras, que não tiveram a mesma acolhida da crítica.

Enquanto isso, Dostoiévski engajou-se na luta da juventude democrática russa pelo combate ao regime autoritário do Tsar Nicolau I. Em abril de 1849 foi preso e condenado; em novembro do mesmo ano, acabou sentenciado à morte pela participação em atividades antigovernamentais junto a um grupo socialista. No dia 22 de dezembro, chegou a ser levado ao pátio com outros prisioneiros para o fuzilamento, mas, na última hora, teve a pena de morte substituída por cinco anos de trabalhos forçados na Sibéria, onde permaneceu até 1854.

A experiência abalou profundamente o escritor, que iniciou o romance Memórias da casa dos mortos, publicado em 1862. Alguns anos antes, Dostoiévski conheceu María Dmítrievna Issáieva, viúva de um maestro, com quem se casou em 1857.


Retornou a São Petersburgo em 1859, dedicando-se integralmente a escrever, produzindo seis longos romances, entre os quais suas obras-primas Crime e Castigo (1866), O idiota (1869) e Os irmãos Karamazóv (1880). É também dessa época a criação da revista Tempo, em cujo primeiro número apareceu parte de Humilhados e ofendidos, obra que também remete à sua experiência na Sibéria.

A década de 1860 é marcada por viagens pela Europa, período no qual conheceu sua grande paixão, Paulina Súslova, que acabaria o traindo. Após a decepção amorosa, Dostoiévski voltou para a esposa, que morreu logo depois.

Solitário, endividado e tendo que sustentar a família do irmão recém-falecido, o escritor ditou O jogador para a sua secretária, Anna Grigórievna, com quem se casaria depois da recusa de Paulina em reatar o relacionamento. O livro é um sucesso e colabora para restabelecer suas finanças.

Logo depois de publicar Crime e castigo, viajou com a nova mulher para Genebra onde nasceu a primeira filha que morreu logo em seguida. A partir de 1873, passou a editar a revista Diário de um escritor, na qual publicava histórias curtas, artigos sobre política e crítica literária.

Em 1880 participou da inauguração do monumento a Aleksandr Pushkin, em Moscou. Na ocasião, pronunciou um memorável discurso sobre o destino da Rússia. No dia 8 de novembro do mesmo ano, em São Petersburgo terminou de redigir Os irmãos Karamazóv, em São Petersburgo.

Fiódor Dostoiévski morreu aos 09 de fevereiro de 1881 em São Petersburgo - Rússia.

Obras de Fiódor Dostoiévski

Novelas e contos

1846 - Gospodin Prokharchin (Господин Прохарчин); Em Português: Senhor Prokhartchin
1847 - Roman v devyati pis'mahh (Роман в девяти письмах); Em Português: Romance em Nove Cartas
1847 - Khozyajka (Хозяйка); Em Português: A Senhoria ou A Dona da Casa
1848 - Polzunkov (Ползунков); Em Portuguêsol'zunkov
1848 - Slaboe serdze (Слабое сердце); Em Português: Coração Fraco
1848 - Tchestnyj vor (Честный вор); Em Português: O Ladrão Honesto
1848 - Elka i svad'ba (Елка и свадьба); Em Po[B]rtuguês: Uma Árvore de Natal e Uma Boda
1848 - Tchujaya jena i muj pod krovat'yu (Чужая жена и муж под кроватью); Em Português: (O homem debaixo da cama) ou A Mulher Alheia e o Homem Debaixo da Cama
1848 - Belye nochi (Белые ночи); Em Português: Noites Brancas
1849 - Malen'kij geroi (Маленький герой); O Pequeno Herói
1862 - Skvernyj anekdot (Скверный анекдот); Uma História Suja ou Uma História Lamentável
1865 - Krokodil (Крокодил); Em Português: O Crocodilo
1873 - Bobok (Бобок); Em Português:Bóbok
1876 - Krotkaia (Кроткая); Em Português: Uma Criatura Gentil, também A Dócil, A Meiga, Ela era doce e humilde e Ela.
1876 - Mujik Marej (Мужик Марей); Em Português: O Mujique Marei
1876 - Mal'chik u Hrista na elke (Мальчик у Христа на ёлке); Em Português: Uma Árvore de Natal e Uma Boda
1877 - Son smeshnogo tcheloveka (Сон смешного человека); Em Português: O Sonho de um Homem Ridículo

Não ficção

1863 – Ziminie Zamietki o lietnikh vpyetchatleniiakh (Зимние заметки о летних впечатлениях); Em Português: Notas de Inverno sobre Impressões de Verão
1873 – 1878 Dnievnik pissatelia (Дневник писателя); Em Português: Diário de um Escritor

Romances

1846 - Bednye lyudi (Бедные люди); Em Português: Gente Pobre
1846 - Dvoinik (Двойник. Петербургская поэма); Em Português O Duplo: Poema de Petersburgo
1849 - Netochka Nezvanova (Неточка Незванова); Em português: Niétochka Nezvánova
1859 - Dyadyushkin son (Дядюшкин сон); Em Português: O Sonho do Tio, ou O Sonho de Titio, ou o Sonho do Príncipe
1859 - Selo Stepanchikovo i ego obitateli (Село Степанчиково и его обитатели); Em Português: Aldeia de Stiepantchikov e seus Habitantes ou A vila de Stepanhchikov e seus habitantes.
1861 - Unijennye i oskorblennye (Униженные и оскорбленные); Em Português: Humilhados e Ofendidos
1862 - Zapiski iz mertvogo doma (Записки из мертвого дома); Em Português: Recordações da Casa dos Mortos ou Memórias da Casa Morta
1864 - Zapiski iz podpolya (Записки из подполья); Em Português: Memórias do Subsolo, Notas do Subterrâneo, A Voz do Subsolo, Cadernos do Subsolo
1866 - Prestuplenie i nakazanie (Преступление и наказание); Em Português: Crime e Castigo
1867 - Igrok (Игрок); Em Português: O Jogador
1869 - Idiot (Идиот); Em Português: O Idiota
1870 - Vechnyj muzh (Вечный муж); Em Português: O Eterno Marido
1872 - Besy (Бесы); Em Português: Os Demônios ou Os Possessos
1875 - Podrostok (Подросток); Em Português: O Adolescente
1881 - Brat'ya Karamazovy (Братья Карамазовы); Em Português: Os Irmãos Karamazov

Fonte: http://www.portalescolar.net/2011/09...#ixzz1hS75DfDH

Obra

Sempre em péssimas condições financeiras, as obras de Dostoievski eram escritas às pressas e, talvez por isso, se passavam em um período curto de tempo, o que também servia para se dar uma descrição mais minuciosa dos estados psicológicos dos personagens, e escapar da degradação física dos mesmos. Temas recorrentes são suicídio, orgulho ferido, valores familiares destroçados, um certo anti-ocidentalismo na cultura e principalmente na religião, onde exalta a imensa superioridade da ortodoxia russa sobre a decadência ocidental expressa no falido catolicismo e suas 'crias' protestantes, além de rejeitar o ateísmo como uma negação da alma russa. Sua visão do crescimento espiritual que nasce através do sofrimento é estreitamente ligada à sua filosofia cristã-ortodoxa eslavófila.

Diferente da maioria dos escritores de sua época, Dostoievski não dava importância às 'belas formas' até pelo caos em que se situava sempre sua vida pessoal e financeira. Dono de um estilo caótico, hipnótico, com diálogos apaixonados que tratam da busca de Deus, retratam o sofrimento, a loucura e o desespero, cenas febris, atmosfera pesada e explosiva, o autor consegue prender seus leitoras da primeira à ultima página menos pela sua trama e mais pelo interesse despertado no leitor de ações e sentimentos macabros, inesperados. Da mesma forma, o tempo e o espaço são tratados de forma caótica, sendo o improvável a regra em suas obras. Os encontros e desencontros, em uma narrativa solta, polifônica, feita a partir de uma variedade de ritmos, posições, ângulos, perspectivas passa mesmo ao leitor a sensação de tensão, nervosismo. Essa mesma tensão diante do absurdo, o confrontamento com situações críticas que podem prostrar e alucinar o homem, são elementos presente em todos os seus personagens principais.

Segundo o escritor Mário Pontes"[…]toda a obra [original] de Dostoiévski foi escrita em circunstâncias adversas: luto, doenças, dívidas, incontrolável atração pelo jogo, censura e vigilância policial, daí porque a pressa transparece nos seus romances, onde uma descrição pode ser interrompida de repente por um nervoso, etc." Segundo Mário Pontes, os romances de Dostoiévski apresentam incoerências, repetições e saltos derivados desses problemas pessoais do autor. Ele finaliza dizendo que "[…]todos esses acidentes e defeitos, que as novas traduções se empenham em preservar, não bastam para afetar o interesse que desperta no leitor a profundidade do mergulho de Dostoiévski na alma humana."

Obras principais

Noites brancas

Esse é um pequeno conto que trata tanto das aspirações revolucionárias do escritor quanto do fantasismo. Narra a vida de um petersburguense sonhador, descreve suas neuras, medos e crises. O sonhador vive sua vida esperando pelo amor, pelo sucesso, pela chance de ser feliz, mas nada faz até conhecer uma desconhecida por quem se apaixona perdidamente. Mantém com ela conversas animadas sobre si mesmo e dali nasce uma amizade e nessas confidências o autor faz uma análise do fantasista, o sonhador, em sua angústia crescente, esperando o amor que não vem, com saudades do que nunca experimentou ou viveu, esperando pela vida sem vivê-la.

Memórias do subsolo

Talvez um dos livros mais angustiantes da literatura, é um programa para o existencialismo. O narrador se descreve nessas palavras: "Eu sou um homem doente... Sou um homem malvado. Sou um homem desagradável. Creio que tenho uma doença do fígado. Aliás, não compreendo absolutamente nada da minha moléstia e não sei exatamente onde está o mal." Esse homem narra sua vida, sua filosofia, em meio a encontros com pessoas aleatórias, amigas, caminhadas solitárias. O mais filosófico dos livros de Dostoievski tem como protagonista mais um tipo comum da sociedade moderna que uma pessoa em especial, é o homem do ressentimento, ou seja, o homem que não só é cheio de defeitos morais como procura uma desculpa para todos eles, é um homem que guarda rancor, que exala veneno a cada palavra, e, pior, um homem que sabe disso, sofre com isso mas não quer se libertar do seu ódio, antes o abraça como amante. Em seu trato com as pessoas ele se revela incapaz de perdoar e ajudar, é um espírito vingativo e pequeno, cheio de pequenos ódios e se imaginando insultado a cada pequeno gesto. É um verme digno de pena, uma criatura sem esperança e remendo, alguém de odiosa companhia.
No fundo esse conto é uma análise psicológica do homem moderno. Mesquinho, egoísta, autodestrutivo, vingativo, é praticamente a descrição do 'ultimo homem' de Nietzsche, o verme moral, a criatura inserida na sociedade que vive se arrastando em um poço de maledicência, orgulho, temor de viver, incapacidade de perdoar.

Recordações da casa dos mortos

Livro autobiográfico, narrando a estadia de um aristocrata em uma prisão siberiana. A obra conta em detalhes a vida no presídio, as ações cotidianas, a rotina de trabalho dos presos e, mais importante, narra as divisões sociais lá existentes, o comércio, as humilhações, torturas, narra os tipos de pessoas que lá vivem, seus crimes, suas artimanhas para se livrar de castigos, sua alma. Se é uma obra importante para conhecermos o Dostoievski encarcerado e suas impressões para aquele mundo, é ainda mais necessária para conhecermos uma Rússia dura, implacável no trato de seus deliquentes, além de ser uma terrível e acurada visão da alma humana que, no desespero, se acostuma a tudo, mesmo às maiores vilanias, através do degredo se atingia a degradação, o depravo.

Crime e castigo

Possivelmente um dos livros mais conhecidos do escritor russo, o livro trata da culpa. Em um curto período de tempo conta como o estudante Ródion Romanovitch Raskólnikov comete um crime apenas para 'provar' sua tese de que a culpa inexiste nos fortes e que apenas os fortes comandam o mundo. Certo de sua superioridade intelectual e psicológica o jovem comete o crime, mata uma pessoa insignificante e tem de lidar com a culpa, as acusações veladas do comissário de polícia, o enfrentamento de crises familiares, ajuda a outra família desesperada e só encontra paz verdadeira no colo de Sônia, uma prostituta por necessidade, que lhe mostra o caminho do arrependimento pelo Evangelho.
Talvez seja o romance mais típico de Dostoievski, aqui vemos um romance filosófico que se defronta como problema da culpa, da necessidade de redenção, do pagamento pelo sofrimento do mal que se causa. Toda a atmosfera do livro exala loucura, caos, nervosismo, e mostra personagens delineados como sombras distantes aos olhos monomaníacos de Raskolnikov que mal disfarça seu crime, mergulhado em crises de consciência e de loucura. Outros personagens apresentam estados de demência avançada nascida do desespero, aceitação calada e angustiante da dor, como a alucinada Ekatierina Ivanovna, seu marido alcoolatra Marmieladov, que a salvou da misérias mas lastima não poder lhe dar a vida que ela tivera enquanto filha de um rico oficial, e vendo sua filha Sonietchka a afundar na degradação moral por amor aos irmãos pequenos. O drama também existe de forma contundente na figura esquálida de burguês ascendente e hipócrita, pseudo-intelectual de Piotr Piótrovitch Lújin com suas artimanhas e crença no dinheiro que compra tudo, inclusive a afeição da irmã de Raslkónikov, Avdótia Romanovna, a Dúnia, pobre e sem condições, assim como sua mãe viúva, de arcar com as despesas estudantis de seu amado irmão Ródia. Vemos a desgraça do lascivo Svidrigailov em seu amor proibido que o leva à tragédia e ainda aponta sua solução como um remédio cada vez mais aceitável. Ainda nesse quadro vemos Raskolnikov e seus colegas de faculdade acompanhando o trabalho da polícia e o desenrolar da investigação do assassinato cometido pelo estudante e como o cerco começa a se fechar ao seu redor, para seu desespero e crescente piora de crises epilépticas e misantropia patológica (Kainof, oi ).
Essas desgraças sociais e pessoais fazem parte essencial desse romance, com sua visão aguda da alma russa, do povo simples e pobre, da aristocracia falida, o rosto dessa nova Rússia e suas chagas, longe ou à margem dos grandes empreendimentos capitalista, a Rússia dos mujiques e dos assalariados, bêbados pelas ruas, pedintes e famintos. A Rússia dos usurários e agiotas, das prostitutas e dos fanáticos socialistas, dos niilistas patéticos e dos moradores de cortiços.
Como se vê é uma crônica social e intelectual, uma dissecação psicológica, um livro policial, um amálgama de crises e absurdos existenciais que se juntam em um quadro maior, o quadro da miserável condição humana que só pode ter esperança de regeneração pelo sofrimento mesmo.

O Idiota

O príncipe Liév Nikolaievitch Michkin é o Dom Quixote realista, moderno. Homem vindo de uma família aristocrática falida, de um tratamento de idiotia interrompido, homem tímido e sem trato social refinado, simples e de fácil conversa, o príncipe encarna o ideal de cavaleiro russo, simplório mas corajoso, honrado mas idiota. Essa brincadeira em torna da idiotia e ingenuidade dele é um contraste que o autor faz: na verdade essa ingenuidade é a pureza intocada pela maldade, a compaixão cristã, o próprio rosto de Cristo em contraste com as espertezas, sutilezas do mundo pecador e desprovido de virtudes. Por isso pode-se dizer que esse romance é o marco maior da filosofia eslavófila de Dostoievski: a negação do modo ocidental de vida e a afirmação da óbvia superioridade da alma russa, pura e simples, ingênua e cristã, ortodoxa e verdadeiramente católica, diferente do catolicismo romano que, nas palavras de Michkin, o autor russo caracteriza como:




Post Original de O Idiota


[...]-O catolicismo vale tanto como qualquer religião não cristã. - ajuntou, de repente, olhando em volta, como a querer, com os olhos cintilantes, esquadrinhar todo o grupo.
-Ora, vamos, isso é exagerado - balbuciou o velho que olhou, surpreendido, para o General Epantchín.
-Por que diz o senhor que o catolicismo é uma religião anticristã? - interrogou Iván Petróvitch virando-se lá da sua cadeira. - Que é então?
-Primeiramente é uma religião anticristã - começou o príncipe com excesso de animação, respondendo com uma presteza mais que afoita. - Em segundo lugar, o catolicismo é até pior do que o ateísmo, na minha opinião. Sim, esta é a minha opinião. O ateísmo apenas nega, ao passo que o catolicismo falseia o Cristo, calunia, difama e se opõe ao Cristo. Prega o anticristo! Declaro e assevero que prega o anticristo. Esta é a convicção a que cheguei e que me atribulou. O catolicismo romano não consegue sustentar a sua posição sem uma política universal de supremacia e exclama: "Non possumus!" Assim, a meu ver, nem religião é, mas tão somente uma espécie de tentativa de continuação do Império Romano Ocidental; e tudo nela está subordinado a esta ideia, começando mesmo pela fé. O Papa se apoderou da terra, seu trono terrestre, e empunhou o gládio. Desde então tudo continuou da forma antiga, sendo que à espada, ao gládio, eles juntaram a mentira, a fraude, o embuste, o fanatismo, a superstição e a vilania. Divertiram-se com os mais santos, mais sinceros e mais ferventes sentimentos do povo. Trocaram tudo, tudo, pelo dinheiro, pela vil força terrena. E não é justamente isso que ensina o Anticristo? Como poderia o ateísmo deixar de provir dele? O ateísmo emergiu do próprio catolicismo romano! Este gerou aquele. Começou pelos seus adeptos: poderiam eles crer em si próprios? Um se fortaleceu com a reação contra o outro. Um foi procriado pela mentira e pela incapacidade espiritual do outro. Ateísmo! Entre nós são só as chamadas classes excepcionais que não crêem, aquela camada que conforme tão bem se expressou Evguénii Pávlovitch, perdeu as suas raízes. Mas aí pela Europa uma formidável massa de gente está começando a perder a fé, um pouco por causa da treva e da mentira e muito, principalmente agora, por causa do fanatismo e do ódio da igreja e da cristandade.

[...] Oh! É preciso resistirmos, imediatamente, já! Aquele Cristo que conservamos intato, o nosso Cristo, e que eles não conheceram nunca, deve brilhar diante de todos e vencer o Ocidente! Não deixemos que as forças dos jesuítas nos escravizem! Levemos a nossa civilização russa até eles, enfrentemo-los, e não consintamos que seja dito diante de nós, como ainda agora foi, que a sua pregação é mais sagaz e eficiente.


A crítica duríssima ao catolicismo romano e às suas divisões e ao próprio ateísmo como atentado contra a pureza do cristianismo original faz desse trecho uma espécie de resumo do livro, a confissão de fé do príncipe cristão que é tão ingenuamente fanático em sua defesa do cristianismo ortodoxo russo, eslavo, contra a invasão dos valores ocidentais. Ademais, ele propõe tal cristianismo mais puro não só pela sua pureza mas pela sua veracidade enquanto legítimo espírito do povo russo, de alma pura e simples. Ingênuo é considerá-lo um mero eslavófilo fanático porque é essa ingenuidade que Dostoievski propõe como verdadeira alma russa, pura, e única capaz de salvar a Rússia e ainda propor ao mundo como ali a Luz brilha mais forte e sem mácula.

O resto do livro se foca no contraste dessa alma ingênua, boa e pobre com a sarjeta moral de seus contemporâneos. A alma dedicada e hipócrita de Gavríl Ardalionovitch e suas pretensões para com Aglaia Ivanóvitch Epantchiná, moça cheia de caprichos e voluntariosa até a insanidade orgulhosa, o triste retrato do niilismo suicida de Ippolít, a doce infantilidade do menino Kólia, único a quem Míchkin se sente próximo, talvez pela pureza infantil de ambos e jovialidade; temos aqui também os interesses dos pais das moças Epantchiná, a serenidade burguesa do General Epantchiná e da General, Lizaveta Prokofiévna, dos pretendentes das moças, os jogos e intrigas envolvendo o príncipe e seus amigos, temos a decadência do velho General afogado em suas bebedeiras e fofocas com o asqueroso e inofensivo Liebediev, e como centro a loucura de Nastássia Filíppovna e seu amor-ódio pelo pobre, bandido, arruaceiro, rico Rogójin. Um ódio pela sua depravação moral e até onde tal depravação poderia levá-la e amor pela sua devoção, mas acima de tudo, o que ela busca nele é autoflagelação, é por crer-se imoral e imunda, indigna de receber o amor de um homem impossível de tão santo, o príncipe Míchkin, que ela cai nas imoralidades de Rogójin e passa a brincar com seus sentimentos e, louca como é, trama mesmo pela felicidade do seu amado príncipe.
E a história tem um final aterrador, triste, desolador, um final digno de comédia, como é essa obra, comédia e tragédia dos sentimentos humanos mais contraditórios.

Os Irmãos Karamázov

Obra-prima do autor russo, esse livro é o quadro mais conciso e revelador da filosofia dostoievskiana. Se sua psicologia corre pela narrativa inteira, nas descrições psicológicas mais profundas, é onde se encontra a visão de Fiódor da alma humana e de toda a sociedade russa do século XIX centrada nos irmãos Karamázov. Filhos de um rico dono de terras e notório patife, o velho Fiódor Pavlóvitch Karamázov, os irmãos Dimítri, Ivan e Alieksei Fiodórovitch tem, cada um a seu modo, um tipo de relacionamento com o pai, um tipo de alma, uma maneira de ver o mundo e é nessas disparidades e semelhanças entre eles que Dostô esboça seu retrato da Rússia.

Dimítri Fiodórovitch: Um jovem arrebatado pelas paixões, amante dos prazeres e da vida fácil, é um romântico e fantasista notório, incerto de suas capacidades e sensualista ao extremo. Rapaz nervoso, de tendências autodestrutivas, inicia seu calvário quando, praticamente abandonado pelo pai desde criança, inicia e termina a carreira militar, se envolve em problemas amorosos e termina sem dinheiro e vivendo cobrando mais de seu pai avarento. As coisas se complicam quando ambos se apaixonam pela mesma mulher e, sendo ambos depravados, trocam ameaças e é esse relacionamento e seu desfecho que conduzem toda a trama.

Ivan Fiodórovitch: O papel intelectual é desempenhado pelo jovem Ivan, ateu niilista, notório defensor da teoria da irresponsabilidade dos homens perante seus atos, devido à fragilidade da consciência humana, é a face mais característica do niilismo que Dostoievski combatia. Em suas ideias, principalmente as esboçadas no poema 'Grande Inquisidor' e na longa conversa com seu irmão cristão, Alieksei, o jovem mostra que, longe da sua aparente imperturbalidade diante do sofrimento humano, da existência de Deus ou não, o jovem Ivan, como todo jovem intelectual e idealista, chora e sangra pelo mundo e suas contradições morais claras, suas hipocrisias. Assim sua misantropia disfarçada é nascida de um amor grande pelo homem, ardor iguais aos de seu irmão, com a diferença de que sua esperança é notavelmente destroçada pela realidade e, sem fé, ele cai em um abismo de dúvidas, questionamentos existenciais até o desfecho trágico de suas crises de consciência, ao ver até que ponto seu desespero atrai discípulos. O niilismo belo em Nietzsche aqui se mostra venenoso, ressentido, suicida, autodestrutivo, inumano.

Aliéskei Fiodórovitch: O caçula dos irmãos é uma criança ingênua, um rapaz de fé simples e pouco teologizada, fé instintiva e com um profundo respeito e amor pelo seu stáretz (pai espiritual) Zóssima, homem que o inspira com um testemunho verdadeiramente evangélico de piedade, obediência, aceitação do sofrimento e um dos que propõe a doutrina do 'Tu és responsável pelos pecados do mundo inteiro', ensinamento que guia Alieksei, como soldado cristão, mártir do amor do Cristo, enviado pelo seu stáretz ao mundo como apóstolo da reconciliação e, ao sair do convento, trata de tentar fazer esse trabalho em sua família, tenta curar as chagas dos corações mesquinhos do pai e dos irmãos, suportar suas depravações e injúrias, sofrer com a lenta autodestruição do irmão Ivan, tentar emendar as crises amorossas, as mágoas, as dúvidas. Enfim, Aliéksei tenta encarnar a filosofia de seu pai espiritual e sofrer pelos pecados de todos, encarna o Cristo e nessas tentativas frustradas ele se mostra muito mais eloquente que Míchkin e nada idiota. O jovem tem conhecimento das maldades do mundo, não é ingênuo, mas se esforça para consertar tudo e acabar por se mostrar impotente diante das desgraças que se abatem sobre sua família.
O final do livro, por outro lado, nos mostra alguém menos culpado e mais sedento por encarnar o Cristo na tristeza, no sofrimento, na beleza do espetáculo sofrível da vida, o antídoto contra todo o desespero, vontade de nada e niilismo: o Cristo Vivo.

O que dizer desse livro? Não resta muito a dizer a não ser que ele é uma espécie de descrição da vida mesma.

Minhas considerações

Dostoievski foi um marco na minha vida, uma surpresa, um outro olhar, um mundo novo, ou antes, a descoberta de mundos inteiros, de olhares múltiplos, ele me abriu as portas para uma visão aguda e tensa sobre a alma humana, uma visão desesperadora. Crime e castigo me encheu de desespero, Recordações me fez chorar copiosamente, O Idiota derrubou os últimos traços de romantismo em mim, Notas do subsolo me angustiou a ponto de eu chorar e de ter vontade de gritar pelo fim. Digo que os livros e eu temos uma relação complicada, mas nada se comparar às incisões, perfurações, ao dissecar, ruminar, moer das minhas sensações e pensamentos que a obra dostoievskiana realizou em mim. Foram obras de autoconhecimento, de apresentação daquela Rússia pura e simples, de contemplação do sofrimento, obras de medo, de terror, de decepção. Por outro lado...

Após ler Os Irmãos Karamázov, vi outro lado de Dostoievski, um lado que me purificava. Eu conheci a Ortodoxia. O cristianismo que não se mostra como doutrina ou Igreja, nem como escola de espiritualidade ou filosofia dogmática, mas uma beleza sem par, eu vi uma Rússia forte, vigorosa, tremenda nos olhos e corações da gente pobre e infeliz. Senti os arroubos de gratidão pela reviravolta que a Ortodoxia me causou através de Dostô, mas acima de tudo, o que prevalece é a esperança. Essas obras todas, mesmo as mais angustiantes, apresentam uma luz própria, uma saída do niilismo, do romantismo fantasista, das obsessões modernas, da fraqueza. É o ideal belo, puro e bom do Cristo Russo, o Cristo que nasce em cada um de nós como uma Natividade, um Natal sempre presente, o espírito de fortaleza que é perdão, perdão pelos sofrimentos sofridos, perdão que destroi o ego, perdão que assume a responsabilidade de assumir os pecados do mundo inteiro. Essa mensagem fortíssima, porém, não é nova, ela está presente nos Evangelhos, nos Santos Padres, nos monges e anciões e patriarcas, metropolitas, bispos, presbíteros e diáconos. É a mensagem cristã total, o resumo do Evangelho, o que está presente nos Relatos de um peregrino russo, na Oração do coração " Senhor Jesus, tem piedade de mim, pecador", é o ensinamento básico do cristianismo:

"Tu és responsável pelos pecados do mundo inteiro." (stáretz Zóssima)

Alguém pode dizer que essa visão religiosa do pensamento de Dostoievski é exagerada. E é mesmo. O cristianismo ortodoxo foi basilar nesse pensamento, mas se alimenta também de muitas influências literárias russas e ocidentais, da fé no homem, de uma visão humanista que só é diferente do iluminismo por colocar o centro do homem em seu ideal de beleza e perfeição moral que, para ele, é Cristo, em vez de colocá-lo na razão, que, como Nietzsche, considerava um ídolo vazio. Mas a religião não é a única referência e base aqui, ela é antes, a expressão mais profunda dos sentimentos, aspirações, sonhos, da própria alma sedenta de vida do pobre e vigoroso povo russo, que Dostoievski tanto amava, tanto queria bem, tanto exaltava como verdadeiro guia para uma modernidade fria como a Sibéria, destituída de amor e compaixão.

Para mim foi providencial calhar o Natal cair agora, não foi premeditado. Aproveito aqui o espaço para desejar um Feliz Natal a todos, independente da religião ou da filosofia, e a dizer que se Nietzsche está sempre presente como um questionamento duro, sofrido, radical de tudo que consideramos certo, Dostô está aí pra fazer os mesmos questionamentos mas para apontar uma luz. Nietzsche revela os abismos de nossa alma, Dostô os escava de forma ainda mais alucinada só pra te mostrar que há uma luz no fundo dele. Que luz é essa e como se chega a ela depende dos seus questionamentos e visões de mundo. Para ele era a Rússia e seu Cristo, o que o salvou do desespero, que o protegeu e manteve, e o que lhe dá forças para continuar sofrendo e transfigurando esse sofrimento em luz, aguentando os erros do mundo inteiro e os perdoando. E não é essa a melhor descrição possível para o Natal?





Excelente, Paganus.
Apesar de ser uma análise religiosamente tendenciosa.
O que é normal e bom. Prefiro a subjetividade assumida dialogável do que a tentativa hipócrita de objetividade pretensamente definitiva.

Depois, obrigado pela menção na resenha.
Realmente, por diversos motivos, me identifico muito com a personagem de Raskólnikov. Ainda penso que a identificação com a situação, o personagem, o meio em que se dá a história, são todos dos maiores fatores para alguém considerar um livro bom. Crime e Castigo foi o único livro de Dostoiévski que eu li e fiquei boquiaberto e encantado. Diálogos nervosos e eloquentes e profundidade psicológica primorosa. Tanto que o livro e o autor já se encontram entre meus preferidos. Ainda tenho curiosidade extrema por Os Demônios e Irmãos Karamazov. Esse último já comprei e será minha leitura em breve após as férias.

Sobre Crime e Castigo e Raskólnikov, acho interessante lembrar da teoria do protagonista de que a humanidade se dividia entre homens ordinários e homens extraordinários. Estes últimos eram em muitos sentidos superiores e era lícito a eles superar as limitações humanas, numa espécie de paralelo com o übermensch nietzscheano. Napoleão era tido como o principal modelo de homem extraordinário. Para provar a si mesmo que era extraordinário, o pobre e brilhante estudante Raskólnikov assassina com um machado uma velha mesquinha e exploradora, que era usurária e com quem o personagem penhorava objetos de valor. Mas ao matar a velha, a irmã mais nova dela entra no quarto e Raskólnikov não tem escolha a não ser matá-la também. Ele atinge o objetivo e leva dinheiro e joias da casa, mas aí começa o seu questioamento silencioso. Até o fim Raskólnikov não se arrependerá de matar a velha, a quem considera para sempre um inseto. Mas ao sentir-se culpado moralmente, questiona se se trata mesmo de um homem extraordinário, já que fez o que era preciso, mas a culpa o assola por isso. Temos aí o crime de uma pessoa odiosa, de uma inocente e de um arrogante tentando superar a si mesmo e as limitações sociais.

Em outros personagens, como Razumíkhin, colega de Raskólnikov, Dostoiévski parece colocar as características principais do "bom-moço", do cidadão e ser humano exemplar, apesar das condições adversas. Em Lújin transparece o desprezo pelo capitalismo burguês e em Sônia, a personagem mais dramática do livro, o símbolo do sofrimento humano e das vítimas da sociedade.


Em tempo, obviamente discordo de muito do ideário cristão latente do teu post, como tu deve imaginar. Mas vou deixar essa discussão para depois que eu ler Irmãos Karamazov. Para ter um mínimo de conhecimento de causa.


"Fahrenheit 451: a temperatura na qual o papel do livro pega fogo e queima..."


Não há escritor mais intenso, que levou os problemas morais do homem e seus embates ideológicos até as últimas consequências. Não há escritor que tenha criado mais personagens memoráveis. Não há escritor capaz de criar narrativas mais apaixonantes, maiores-que-a-vida.
Vou fazer um breve comentário do que eu li dele:

1848 - Belye nochi (Белые ночи); Em Português: Noites Brancas: História adorável e de cortar o coração. Ótimo pra conhecê-lo.

1865 - Krokodil (Крокодил); Em Português: O Crocodilo: Parece ser uma sátira de algumas figuras da sociedade russa na época, mas não foi acabado devido a problemas que o Dostoievski teve na época da publicação.

1873 - Bobok (Бобок); Em Português:Bóbok: História humorística, mortos da nobreza e alta sociedade russa continuam com suas picuinhas debaixo do túmulo. Dostoievski tem um lado humorístico dele que acaba não ficando tão conhecido, mas eu particularmente muito aprecio. Nos livros mais sérios ele incorpora plenamente o patético nas relações humanas para efeitos tanto cômicos quanto dramáticos.

1876 - Krotkaia (Кроткая); Em Português: Uma Criatura Gentil, também A Dócil, A Meiga, Ela era doce e humilde e Ela.: Pequena obra-prima. Impressionante como para termos que nos relacionar verdadeiramente com alguém temos que nos livrar de camadas e camadas de hipocrisias, ideologias, nossa própria visão de posição social. Também um pouco baseado nas experiências que o Dostoievski teve no leito de morte de sua primeira mulher.

1876 - Mujik Marej (Мужик Марей); Em Português: O Mujique Marei: Se não me engano, é uma história que o Dostoiévski lembrou na Sibéria para ajudá-lo a superar as adversidades. O pequeno Dostoievski é consolado por um mujique após pensar que um lobo está perto dele. Totalmente essencial para entender o resto da obra dele e a relação que o Dostoiévski tem do povo russo como um portador natural da verdadeira mensagem de Cristo.

1876 - Mal'chik u Hrista na elke (Мальчик у Христа на ёлке); Em Português: Uma Árvore de Natal e Uma Boda: Acho que li esse conto como Uma árvore de Natal na Casa de Cristo, muito tocante.

1877 - Son smeshnogo tcheloveka (Сон смешного человека); Em Português: O Sonho de um Homem Ridículo: outra obra prima menor (em tamanho de páginas, não em qualidade), outra síntese do pensamento Dostoievkiano da espiritualidade e redenção da humanidade através da verdadeira palavra de cristo.

1873 – 1878 Dnievnik pissatelia (Дневник писателя); Em Português: Diário de um Escritor : Li uma edição com algumas coisas, mas elas geralmente se relacionam mais com o que estava acontecendo na Rússia na época. Dostoiévski era um nacionalista russo extremado, um czarista inveterado, que tinha a crença que o Czar era o único capaz de realizar as reformas necessárias para a Rússia, em detrimento dos revolucionários que portavam uma ideologia mais racional e material do desenvolvimento (ver a proposta do Chatóv, em Os Demônios). Também aqui dá pra se ver um pouco de como a ideologia acaba mostrando sua face nem tão feia, que é a da xenofia e antissemismo do Dostoiévski. Como bom cristão e como qualquer um que porte uma ideologia redentora de um outro, acaba demonstrando seu claro ódio aos judeus (todos os livros dele os judeus são o estereótipo do ganancioso e narigudo), e acaba encapando isso como no pensamento pieodoso de Cristo: Dostoiévski tentava compreender que os Judeus agiam como agiam por diversas circustâncias, mas o faziam assim mesmo (como o Paganus falou, ele acreditava que o homem é responsável moral pelos seus atos). Ele chegava a acreditar plenamente nos rumores que Judeus cozinhavam criancinhas em seus rituais!
1846 - Bednye lyudi (Бедные люди); Em Português: Gente Pobre: Primeiro romance dele. Nada demais, mas mostra bem a visão pieodosa que ele tem do povo russo.

1846 - Dvoinik (Двойник. Петербургская поэма); Em Português O Duplo: Poema de Petersburgo : primeira obra que prenuncia o Dostoiévski pós-sibéria, com um funcionário público sofrendo um racha na sua psíquique devido as humilhações e frustrações de sua vida cotidiana. Ele vai repetir o tema do "clone" diversas vezes, só que aqui, a coisa é literal, enquanto que em Irmãos Karamazóvi, por exemplo, o Ivan cria um contraponto seu em uma alucinação.

1849 - Netochka Nezvanova (Неточка Незванова); Em português: Niétochka Nezvánova: outro romance inacabado, este devido a prisão

1859 - Dyadyushkin son (Дядюшкин сон); Em Português: O Sonho do Tio, ou O Sonho de Titio, ou o Sonho do Príncipe /
1859 - Selo Stepanchikovo i ego obitateli (Село Степанчиково и его обитатели); Em Português: Aldeia de Stiepantchikov e seus Habitantes ou A vila de Stepanhchikov e seus habitantes. : esse dois são livros de humor, e eu aprecio bastante, como já disse. Volta dele ao cenário literário.

1861 - Unijennye i oskorblennye (Униженные и оскорбленные); Em Português: Humilhados e Ofendidos : É o romance favorito da Clarice Lispector. É um dos mais rocambolesco, mas entra bem naquela de que o Dostoiévski é o mais intenso dos escritores.

1862 - Zapiski iz mertvogo doma (Записки из мертвого дома); Em Português: Recordações da Casa dos Mortos ou Memórias da Casa Mortos: Eu sei que isso aqui é essencial e ultra-reelevante, mas não consegui achar mais que só OK, já que aqui o foco é mais realista e descritivo, fugindo um pouco do Dostoievski apaixonante dos outros livros. Vou tentar reler nas novas traduções.

1864 - Zapiski iz podpolya (Записки из подполья); Em Português: Memórias do Subsolo, Notas do Subterrâneo, A Voz do Subsolo, Cadernos do Subsolo : Aqui vai começar a ficar difícil a ser breve. A galeria de personagens atormentados, que crê plenamente no progresso científico como modelo de convivência em contraponto com sua própria moralidade e as consequências disso.

1866 - Prestuplenie i nakazanie (Преступление и наказание); Em Português: Crime e Castigo : O Paganus já falou tudo, mas foi o livro que me mostrou que tensão e suspense são muitos mais efetivos quando se concentram nos entraves morais dos personagens do que no enredo em si mesmo.

1867 - Igrok (Игрок); Em Português: O Jogador : Um livro menor, eu acho, outro que preciso reler nas próximas traduções. De muito interesse porque Dostoiévski também era jogador e perdeu muito (aliás, as exortações dele à segunda mulher, pedindo dinheiro pra jogar mais ao mesmo tempo que se culpava imensamente das suas próprias fraquezas, entra bem no trágico-patético dos personagens que ele cria). Mostra as diferenças de temperamento de russos e outras nacionalidades, e talvez ajude a desvendar um pouco do porquê a literatura russa é tão apaixonante.

1869 - Idiot (Идиот); Em Português: O Idiota: Um livro tão desigual quanto a própria vida, e provavelmente um dos motivos de sua efetividade. Foi escrito em meio a diversos problemas: Fuga de credores, dívidas de jogo, crises epléticas intensas. A estrutura do livro é muito estranha: Elipses que vem de lugar nenhum, twists um tanto quanto absurdos, etc. Enfim, Natasha é um desses personagens bipolares irresistíveis; os escândalos de família aqui são incríveis. Há passagens que o Dostoiévski evoca sua própria experiência no cadafalso de levar qualquer um as lágrimas.

1870 - Vechnyj muzh (Вечный муж); Em Português: O Eterno Marido : Outro livro nem tão lido mas que também é genial.

1872 - Besy (Бесы); Em Português: Os Demônios ou Os Possessos : Obra-prima panfletária, polêmica e devastadora. Um libelo contra a onda revolucionária atéia. Stavrogin ; Verkhovensky ; Timofeevna ; Kirillov são alguns dentre muitos personagens incríveis. Tem também sátira cruel ao Turguêniev, seu inimigo ideológico numa passagem hilária perto do clímax.

1875 - Podrostok (Подросток); Em Português: O Adolescente : O mais fraco dele, provavelmente o único esquecível. Aqui todos os elementos geniais dos outros livros dele não passam de projetos em uma trama praticamente incompreensível.

1881 - Brat'ya Karamazovy (Братья Карамазовы); Em Português: Os Irmãos Karamazov: O maior romance da história da humanidade, provavelmente.



Enfim, recomendo a biografia gigantesca dele do Joseph Frank, que eu tomo por modelo de biografias. Isso porque ele foca na ambientação da sociedade russa e das ideologias que a permeavam, as quais o Dostoiévski refletia em seus livros. Além de análises livro-a-livro excelentes. Por exemplo, mostra como a teoria do Freud sobre o Dostoiévski é completamente baseado em suposições e invenções do próprio Freud, sendo que não há qualquer fato que as corroborem (na maioria das vezes, os fatos as negam frontalmente).