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Resumo do Livro:
Negrinha é narrativa em terceira
pessoa, impregnada de uma carga emocional muito forte. Sem dúvida alguma
é conto invejável: "Negrinha era uma pobre órfã de sete anos. Preta?
Não; fusca, mulatinha escura, de cabelos ruços e olhos assustados. Nascera
na senzala, de mãe escrava, e seus primeiros anos vivera-os pelos
cantos escuros da cozinha, sobre velha esteira e trapos imundos. Sempre
escondida, que a patroa não gostava de crianças."
D. Inácia era viúva sem filhos e não
suportava choro de crianças. Se Negrinha, bebezinho, chorava nos braços
da mãe, a mulher gritava: "Quem é a peste que está chorando aí?" A mãe,
desesperada, abafava o choro do bebê, e afastando-se com ela para os
fundos da casa, torcia-lhe beliscões desesperados. O choro não era sem
razão: era fome, era frio: "Assim cresceu Negrinha magra, atrofiada,
com os olhos eternamente assustados. Órfã aos quatro anos, por ali ficou
feito gato sem dono, levada a pontapés. Não compreendia a idéia dos
grandes.
Batiam-lhe sempre, por ação ou
omissão. A mesma coisa, o mesmo ato, a mesma palavra, provocava ora
risadas, ora castigos. Aprendeu a andar, mas quase não andava. Com
pretexto de que às soltas reinaria no quintal, estragando as plantas, a
boa senhora punha-a na sala, ao pé de si, num desvão da porta. -
Sentadinha aí e bico, hein?" Ela ficava imóvel, a coitadinha. Seu único
divertimento era ver o cuco sair do relógio, de hora em hora.
Ensinaram Negrinha a fazer crochê e
lá ficava ela espichando trancinhas sem fim... Nunca tivera uma palavra
sequer de carinho e os apelidos que lhe davam eram os mais diversos:
pestinha, diabo, coruja, barata descascada, bruxa, pata choca, pinto
gorado, mosca morta, sujeira, bisca, trapo, cachorrinha, coisa ruim,
lixo. Foi chamada bubônica, por causa da peste que grassava... "O corpo
de Negrinha era tatuado de sinais, cicatrizes, vergões. Batiam nele
todos os dias, houvesse ou não houvesse motivo. Sua pobre carne exercia
para os cascudos, cocres e beliscões a mesma atração que o ímã exerce
para o aço. Mãos em cujos nós de dedos comichasse um cocre, era mão que
se descarregaria dos fluidos em sua cabeça. De passagem. Coisa de rir e
ver a careta..."
D. Inácia era má demais e apesar da
Abolição já ter sido proclamada, conservava em casa Negrinha para
aliviar-se com "uma boa roda de cocres bem fincados!..." Uma criada
furtou um pedaço de carne ao prato de Negrinha e a menina xingou-a com
os mesmos nomes com os quais a xingavam todos os dias. Sabendo do caso,
D. Inácia tomou providências: mandou cozinhar um ovo e, tirando-o da
água fervente, colocou-o na boca da menina. Não bastasse isso,
amordaçou-a com as mãos, o urro abafado da menina saindo pelo nariz... O
padre chegava naquele instante e D. Inácia fala com ele sobre o quanto
cansa ser caridosa...
Em um certo dezembro, vieram passar
as férias na fazenda duas sobrinhas de D. Inácia: lindas, rechonchudas,
louras, "criadas em ninho de plumas." E negrinha viu-as irromperem pela
sala, saltitantes e felizes, viu também Inácia sorrir quando as via
brincar. Negrinha arregalava os olhos: havia um cavalinho de pau, uma
boneca loura, de louça. Interrogada se nunca havia visto uma boneca, a
menina disse que não... e pôde, então, pegar aquele serzinho angelical :
"E muito sem jeito, como quem pega o Senhor Menino, sorria para ela e
para as meninas, com assustados relanços d'olhos para a porta. Fora de
si, literalmente..." Teve medo quando viu a patroa, mas D. Inácia,
diante da surpresa das meninas que mal acreditavam que Negrinha nunca
tivesse visto uma boneca, deixou-a em paz, permitiu que ela brincasse
também no jardim.
Negrinha tomou consciência do mundo e
da alegria, deixara de ser uma coisa humana, vibrava e sentia. Mas se
foram as meninas , a boneca também se foi e a casa caiu na mesmice de
sempre. Sabedora do que tinha sido a vida, a alma desabrochada, Negrinha
caiu em tristeza profunda e morreu, assim, de repente: "Morreu na
esteirinha rota, abandonada de todos, como um gato sem dono. Jamais,
entretanto, ninguém morreu com maior beleza. O delírio rodeou-a de
bonecas, todas louras, de olhos azuis. E de anjos..."
No final da narrativa, o narrador
nos alerta: "E de Negrinha ficaram no mundo apenas duas impressões. Uma
cômica, na memória das meninas ricas. - "Lembras-te daquela bobinha da
titia, que nunca vira boneca?" Outra de saudade, no nó dos dedos de dona
Inácia: - "Como era boa para um cocre!..."
É interessante considerar aqui
algumas coisas: em primeiro lugar o tema da caridade azeda e má, que
cria infortúnio para os dela protegidos, um dos temas recorrentes de
Monteiro Lobato; o segundo aspecto que poderia ser observado é o
fenômeno da epifania, a revelação que, inesperadamente, atinge os seres,
mostrando-lhes o mundo e seu esplendor. A partir daí, tais criaturas
sucumbem, tal qual Negrinha o fez. Ter estado anos a fio a desconhecer o
riso e a graça da existência, sentada ao pé da patroa má, das criaturas
perversas, nos cantos da cozinha ou da sala, deram a Negrinha a
condição de bicho-gente que suportava beliscões e palavrórios, mas a
partir do instante em que a boneca aparece, sua vida muda. É a epifania
que se realiza, mostrando-lhe o mundo do riso e das brincadeiras
infantis das quais Negrinha poderia fazer parte, se não houvesse a
perversidade das criaturas. É aí que adoece e morre, preferindo
ausentar-se do mundo a continuar seus dias sem esperança.
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