quinta-feira, 1 de maio de 2014

Casa de Pensão, de Aluísio de Azevedo

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Análise da obra

A obra foi baseada num fato real: a Questão Capistrano, crime que sensibilizou o Rio de Janeiro em 1876/77, envolvendo dois estudantes, em situação muito próxima à da narração de Aluísio Azevedo. Neste livro, o autor estuda as influências da sociedade sobre o indivíduo sem qualquer idealização romântica, retratando rigorosamente a realidade social trazendo para a literatura um Brasil até então ignorada.

Autor fiel à tendência naturalista difundida pelo realismo, Aluísio Azevedo focaliza, nesta obra, problemas como preconceitos de classe, de raças, a miséria e as injustiças sociais. Descreve a vida nas pensões chamadas familiares, onde se hospedavam jovens que vinham do interior para estudar na capital. Diferente do romantismo, o naturalismo enfatiza o lado patológico do ser humano, as perversões dos desejos e o comportamento das pessoas influenciado pelo meio em que vivem.

Casa de Pensão é uma espécie de narrativa intermediária entre o romance de personagem (O Mulato) e o romance de espaço (O Cortiço). Como em O Mulato, todas as ações ainda estão vinculadas à trajetória do herói, nesse caso, Amâncio de Vasconcelos. Mas, como em O Cortiço, a conquista, ordenação e manutenção de um espaço é que impulsiona, motiva e ordena a ação. Espaço e personagem lutam, lado a lado, para evitar a degradação.

As teses naturalistas, especialmente o Determinismo, alicerçam a construção das personagens e das tramas.

Romance naturalista de 1884, em que o autor, de carreira diplomática bastante acidentada, move personagens que se coadunam perfeitamente com a análise dos críticos de que seus tipos são, via de regra, grosseiros, não se distinguem pela sutileza da compreensão, nem pela frescura dos sentimentos. São eixos de relações da estrutura da presente narrativa a Província - Maranhão, a Corte - Rio de Janeiro, a casa paterna e a casa de pensão.

Estilo

O naturalismo está plenamente representado em Casa de Pensão desde a abertura do romance, quando Amâncio aparece marcado fatalisticamente pela escola e pela família: uma e outra o encheram de revolta. Por causa de um castigo justo ou injusto, "todo o sentimento de justiça e da honra que Amâncio possuía, transformou-se em ódio sistemático pelos seus semelhantes...". O leite que o menino mamou na ama negra também está contagiado e irá marcá-lo. O médico dizia: "Esta mulher tem reuma no sangue e o menino pode vir a sofrer para o futuro."  Amâncio é uma cobaia, um campo de experimentação nas mãos do romancista. Nele o fisiológico é muito mais forte do que o psicológico. É o determinismo que vai acompanhar toda a carreira do personagem.

Está presente também na obra o sentido documental e experimental do romance naturalista, renunciando ao sentimentalismo e à evasão, procura construir tudo sobre a realidade. Como já mencionado, a estória do romance se baseia num caso real.

Linguagem

Uma técnica comum ao escritor naturalista é o abuso dos pormenores descritivo-narrativos de tal modo que a estória caminha devagar, lerda e até monótona. É a necessidade de ajuntar detalhes para se dar ao leitor uma impressão segura de que tudo é pura realidade. Essas minúcias se estendem a episódios, a personagens e a ambientes. Num episódio, por exemplo, há minúcias de tempo, local e personagens. E móveis de uma sala até os objetos mais miúdos.

Não se pode dizer que a linguagem do romance é regionalista; pelo contrário, o padrão da língua usada é geral e o torneio frasal, a estrutura morfo-sintática é completamente fiel aos padrões da velha gramática portuguesa.

Como Machado de Assis, Aluísio Azevedo também usa alguns recursos desconhecidos da língua portuguesa do Brasil, principalmente na língua oral. Assim, por exemplo, o caso da apossínclise (é uma posição especial do pronome oblíquo que não escutamos no Brasil, mas é comum até na língua popular de Portugal). São exemplos de apossínclise: "Há anos que me não encontro com o amigo." (Há anos que não me...) "Se me não engano, você está certo." Em Casa de Pensão essa posição pronominal é um hábito comum.

Foco narrativo

O autor escolheu o seu ponto-de-vista narrativo: a terceira pessoa do singular, um narrador onisciente e onipotente, fora do elenco dos personagens. Como um observador atento e minucioso dentro das próprias fórmulas apertadas do naturalismo. No caso deste romance, Aluísio Azevedo trabalhou muito servilmente sobre os fatos absolutamente reais.

Temática

Como em O Cortiço, Aluísio de Azevedo se torna excepcionalmente rico na criação de personagens coletivos: a casa de pensão, tão comum ainda hoje, no Brasil inteiro, tem vida, uma vida estudante, nas páginas do romance. Aluísio conhecia, de experiência própria, esse ambiente feito de tantos quartos e tantos inquilinos, tão numerosos e tão diferentes, nivelados pela mediocridade e em fácil decadência moral. O autor faz alguns retratos com evidentes traços caricaturais (a sua velha mania ou vocação para a caricatura...), mas fiéis e verdadeiros. Tudo se movimenta diante do leitor: a casa de pensão é um mundo diferente, gente e coisas tomam aspectos novos, as pessoas adquirem outros hábitos, informadas ou deformadas por essa vida comunitária tão promíscua. Aí se encontram e se desencontram, se amontoam e se separam tantos indivíduos transformados em tipos, conhecidos, às vezes, apenas pelo número do quarto. Em O Cortiço o meio social é mais baixo; na Casa de Pensão é médio.

Às doenças morais (promiscuidades, hipocrisia, desonestidades, sensualismos excitados e excitantes, ódios, baixos interesses, dinheiro...) se misturam também doenças físicas (o tuberculoso do quarto 7 que morre na casa de pensão, a loucura e histerismo de Nini...). Foi o que encontrou Amâncio na Casa de Pensão de Mme. Brizard. Fora para o Rio de Janeiro, para estudar. E, num ambiente como esse, quem seria capaz de estudar? É verdade que o rapaz já trazia a sua mentalidade burguesa do tempo: o que ele buscava não era uma profissão, mas apenas um diploma e um título de doutor. Ele, sendo rico, não precisaria da profissão, mas, por vaidade, de um status, de um anel no dedo e de um diploma na parede. Essa mania de doutor, doença que pegou no Brasil, já foi magistralmente caricaturada em deliciosa carta de Eça de Queirós ao nosso Eduardo Prado: "A nação inteira se doutorou. Do norte ao sul do Brasil, não há, não encontrei senão doutores! Doutores com toda a sorte de insígnias, em toda a sorte de funções!! Doutores com uma espada, comandando soldados; doutores com uma carteira, fundando bancos: doutores com uma sonda, capitaneando navios; doutores com uma apito, comandando a polícia; doutores com uma lira, soltando carnes; doutores com um prumo, construindo edifícios; doutores com balanças, ministrando drogas; doutores sem coisa alguma, governando o Estado! Todos doutores..." O próprio Aluísio de Azevedo abandonou a Província para buscar sucessos na Corte (Rio de Janeiro) e, certamente também, um título de doutor...

Personagens

Os personagens, sob nomes fictícios, escondem pessoas reais:

Amâncio da Silva Bastos e Vasconcelos - (João Capistrano da Silva) estudante, acusado de sedução. Foi absolvido.

Amélia ou Amelita - (Júlia Pereira) a moça seduzida, pivô da tragédia.

Mme. Brizard - (D. Júlia Clara Pereira, mãe da moça e do rapaz, assassino) é uma viúva, dona da casa de pensão: 

João Coqueiro - Janjão - (Antônio Alexandre Pereira, irmão da moça Júlia Pereira e assassino de João Capistrano. Foi também absolvido).

Dr. Teles de Moura - (Dr. Jansen de Castro Júnior) advogado da família da moça.

Enredo

Amâncio (Da Silva Bastos e Vasconcelos), rapaz rico e provinciano, abandona o Maranhão e segue de navio para o Rio de Janeiro (a Corte) a fim de se encaminhar nos estudos e na vida. É um provinciano que sonha com os deslumbramentos da Corte. Chega cheio de ilusões e vazio de propósitos de estudar... A mãe fica chorosa e o pai, indiferente, como sempre fora no trato meio distante com o filho. O rapaz tinha que se tornar um homem.

Amâncio começa morando em casa do sr. Campos, amigo do Pai, e, forçado, se matricula na Escola de Medicina. Ia começar agora uma vida livre para compensar o tempo em que viveu escravizado às imposições do pai e do professor, o implacável Pires.

Por convite de João Coqueiro, co-proprietário de uma casa de pensão, junto com a sua velhusca mulher Mme. Brizard, muda-se para lá. É tratado com as maiores preferências: os donos da pensão queriam aproveitar o máximo de seu dinheiro e ainda arranjar o seu casamento com Amélia, irmã de Coqueiro. Um sujo jogo de baixo interesses, sobretudo de dinheiro. Naquele ambiente, tudo concorreria para fazer explodir a super-sensualidade do maranhense.

"Ele, coitado, havia fatalmente de ser mau, covarde e traiçoeiro: Na ramificação de seu caráter e sensualidade era o galho único desenvolvido e enfolhado, porque de todos só esse podia crescer e medrar sem auxílios exteriores."

A casa de pensão era um amontoado de gente, em promiscuidade generalizada, apesar da hipócrita moralidade pregada pelo seu dono: havia miséria física e moral, clara e oculta. Com a chegada de Amâncio, a pensão passou a arapuca para prender nos seus laços o jovem, inesperto e rico estudante: pegar o seu dinheiro e casá-lo com a irmã do Coqueiro. Para alcançar o fim, todos os meios eram absolutamente lícitos. Amélia, principalmente quando da doença do rapaz, se desdobrou nos mais íntimos cuidados. Até que se tornou, disfarçadamente, sua amante. Sempre mantendo as aparências do maior respeito exigido dentro da pensão pelo João Coqueiro...

O pai de Amâncio morre no Maranhão. A mãe chama o filho. Ele pretendo voltar, logo que terminarem os seus exames de medicina. Era preciso que o filho voltasse para vê-la e ver os negócios que o pai deixara. Mas o rapaz está preso à casa de pensão e a Amélia: este o ameaça e só permite sua ida ao Maranhão, depois do casamento. Amâncio prepara sua viagem às escondidas. Mas, no dia do embarque, um oficial e justiça acompanhado de policiais o prende para apresentação à delegacia e prestação de depoimentos. Amâncio é acusado de sedutor da moça. João Coqueiro prepara tudo: o caso foi entregue ao famigerado e chicanista Dr. Teles de Moura. Aparecem duas testemunhas contra o rapaz. Começa o enredado processo: uma confusão de mentiras, de fingimentos, de maucaratismo contra o jovem rico e desfrutável para os interesses pecuniários de Mme. Brizard e marido. Há uma ressonância geral na imprensa e, na maioria, os estudantes se colocam ao lado de Amâncio. O senhor Campos prepara-se para ajudar o seu protegido, mas Coqueiro lhe faz chegar às mãos uma carta comprometedora que Amâncio escrevera à sua senhora, D. Hortênsia. E se coloca contra quem não soube respeitar nem a sua casa...

Três meses depois de iniciado o processo, Amâncio é absolvido. O rapaz é levado em triunfo para um almoço, no Hotel Paris.

"Amâncio passava de braço a braço, afagado, beijado, querido, como uma mulher famosa." Todo mundo olhava com curiosidade e admiração o estudante absolvido. E lhe atiravam flores, Ouviam-se vivas ao estudante e à Liberdade. Os músicos alemães tocaram a Marselhesa. Parecia um carnaval carioca.

Em outro plano, Coqueiro, sozinho, vendo e ouvindo tudo. A alma envenenada de raiva. Em casa o destampatório da mulher que o acusava de todo o fracasso. As testemunhas reclamavam o pagamento do seu depoimento. Um inferno dentro e fora dele. Chegaram cartas anônimas com as maiores ofensas. Um homem acuado...

Pegou, na gaveta, o revólver do pai. E pensou em se matar. Carregou a arma. Acertou o cano no ouvido. Não teve coragem. Debaixo da sua janela, gritavam injúrias pela sua covardia e mau caráter... No dia seguinte, de manhã, saiu sinistro. Foi ao Hotel Paris. Bateu no quarto II, onde se encontrava o estudante com a rapariga Jeanete. Esta abriu a porta. Amâncio dormia, depois da festa e da bebedeira, de barriga para cima. Coqueiro atirou a queima-roupa. Amâncio passa a mão no peito, abre os olhos, não vê mais ninguém. Ainda diz uma palavra: "mamãe" ... e morre.

Coqueiro foi agarrado por um policial, ao fugir. A cidade se enche de comentários. Muitos visitam o necrotério para ver o cadáver de Amâncio. Vendem-se retratos do morto. Um funeral grandioso com a presença de políticos, notícias e necrológicos nos jornais, a cidade toda abalada. A tragédia tomou conta de todos.

A opinião pública começa a flutuar, a mudar de posição: afinal, João Coqueiro tinha lavado a honra da irmã...

Quando D. Ângela, envelhecida e enlutada, chega ao Rio de Janeiro, se viu no meio da confusão, procurando o filho. Numa vitrine, ela descobriu o retrato do filho "na mesa do necrotério, com o tronco nu, o corpo em sangue. Uma legenda: "Amâncio de Vasconcelos, assassinado por João Coqueiro, no Hotel Paris...

QUESTÃO CAPISTRANO


Notório crime passional ocupou as manchetes dos jornais cariocas e foi inspiração para o enredo do romance "Casa de Pensão"
Em janeiro de 1876, a cidade do Rio de Janeiro foi assolada pela notícia de um crime envolvendo dois amigos. A história, que tomou ares de novela ao dividir opiniões, suscitar debates e causar comoção, ficou conhecida como Questão Capistrano, devido ao sobrenome de um dos jovens envolvidos na tragédia.
Pode-se considerar que o caso de polícia, protagonizado pelos inseparáveis amigos João Capistrano da Cunha e Antônio Alexandre Pereira, foi popularizado porque continha todos os ingredientes de uma boa trama: romance, amizade, honra, vingança e assassinato. Assim, a opinião pública envolveu-se nos acontecimentos, dividiu-se em juízos, mas, sobretudo, polemizou.
O tema mereceu destaque na biografia de Aluísio Azevedo escrita por Raimundo de Menezes que, no capítulo "O crime do estudante Capistrano", relata as minúcias do acontecido. Eis como o enredo que inspirou o romance "Casa de Pensão", de Aluísio Azevedo, principia...
A viúva baiana Júlia Clara Pereira, com dificuldades para sustentar as despesas da família somente com a quantia advinda das aulas de piano, delibera alugar outra casa, maior e mais confortável, que lhe possibilitaria alugar alguns quartos e, com isso, prosperar sua renda mensal. Assim, muda-se com os filhos Antônio Alexandre Pereira e Júlia Pereira para a rua do Alcântara, sob o número 71, local em que estabelece uma casa de pensão.
Entre os primeiros pensionistas encontra-se o paranaense João Capistrano da Cunha, colega de Antônio Alexandre na Escola Politécnica, considerado confiável e, portanto, acolhido carinhosamente no seio da família Pereira.
Com o convívio cotidiano, Capistrano e Júlia enlaçam um namoro, no qual a concupiscência leva o desventurado jovem a adentrar o quarto da moça, em uma madrugada de janeiro de 1876, e no ímpeto violentá-la.
Após a filha relatar o acontecido na noite anterior, Dona Júlia exige explicações do estudante que, com pretextos, intenta adiar o matrimônio, compromisso que repararia o dano causado. Feita a promessa, João Capistrano atravessa semanas e meses sem movimentar-se no sentido do cumprimento de sua palavra até que desaparece de vez, sem deixar notícias. Com isso, a família apresenta queixa-crime na delegacia mais próxima, acompanhados do causídico dr. Jansen de Castro Júnior, para pleitear uma indenização de 50 contos pelo prejuízo à honra da menina Júlia.
O julgamento tem início e a imprensa não tarda em estampar seus desdobramentos nas colunas diárias sobre o caso, inflamando a opinião pública a se manifestar ora a favor do casamento reparador dos danos causados ora a favor da imputação de uma severa pena ao jovem sedutor.
No Tribunal, João Capistrano da Cunha tem como defensores os advogados Busch Varela e Duque Estrada Teixeira, além do conselheiro Saldanha Marinho. Figura como promotor público interino o dr. Ferreira de Oliveira, que produz vigorosa acusação. Completando o cenário, tem-se uma agigantada massa popular desejosa de acompanhar os detalhes do julgamento.
Após a contestação do dr. Bush Varela, há a réplica do promotor, seguida pelos dizeres de Duque Estrada Teixeira e Saldanha Marinho. O resultado dos enérgicos debates é a absolvição do jovem Capistrano que, para festejar o veredicto favorável, reúne os amigos no Hotel Paris, em festança exuberante comentada por toda sociedade fluminense.
Para Antônio Alexandre, a irresignável sentença demandaria que ele próprio tomasse uma atitude para restaurar a honra de sua família e, principalmente, de sua irmã, cujo incessante choro denota a vergonha e a profunda prostração. Deste modo, articula por três dias uma possível solução que impusesse ao ex-amigo uma lição.
Assim, o irmão inconformado sai à procura do estudante, encontrando-o à rua da Quitanda, quando caminhava para casa de um negociante. Empunhando uma arma de 25 cápsulas, atira em João Capistrano pelas costas, ceifando-lhe a vida em plena luz do dia. E, após tentar sem sucesso a fuga, é preso em flagrante e entregue à Justiça.
Os alunos da Politécnica, comovidos pelo crime e enlutados, homenageiam o falecido, tornando o enterro praticamente uma glorificação pública. Até o próprio Visconde do Rio Branco, diretor da Escola, suspende as aulas por dois dias.
Pelo assassinato, Antônio Alexandre é levado a julgamento a 20 de janeiro de 1877 e tem a defesa elaborada pelo já conhecido dr. Jansen de Castro Jr. Neste momento, o público que alimentava antipatias pela família Pereira, compadece-se pelo irmão que agiu em defesa da honra. Com isso, o mesmo júri que remiu Capistrano também absolveu seu assassino... por unanimidade de votos! E, por paradoxal que pareça, aqueles que na véspera homenageavam o colega morto foram quem também ovacionaram o amigo que ganhava a liberdade.

JORNAIS DA ÉPOCA

Na Gazeta de Notícias, de 20 de novembro de 1876, lia-se:
"A população de nossa cidade foi ontem sobressaltada por um triste acontecimento, terrível desenlace de um drama, que há pouco, todos presenciamos e que além de duas famílias, veio encher de luto a mocidade acadêmica, roubando-lhe um de seus membros.
(...)
Às dez horas da manhã, na rua da Quitanda, o estudante da escola Politécnica João Capistrano da Cunha, que há três dias o júri absolveu da acusação de ter violentado D. Júlia, foi assassinado com dois tiros de revólver por Alexandre Pereira, irmão de D. Júlia."
Já o conservador Jornal do Comércio, sob o título ASSASSINATO CAPISTRANO, assim mesmo, em caixa alta, estampava em suas páginas do dia 21 de novembro:
"Ontem, logo depois do meio-dia, algumas ruas das mais centrais, e com especialidade a da Quitanda..."
E segue o relato, em linguagem esmerada, que lembra a da ficção, para finalmente fechar o texto informando que os advogados que cuidaram da defesa e absolvição de Capistrano levaram-no ao cemitério:
"Carregaram a princípio o caixão os Srs. conselheiro Saldanha Marinho, Drs. Duque Estrada Teixeira, Busch Varela, Pinto Júnior e os Srs. Matos Cruz e Nunes de Sá. Era na verdade uma cena bem comovente aquele féretro, rodeado de mancebos que, trajados de preto e com a tristeza estampada no rosto iam levar à última morada o companheiro de todos os dias, tanto nas árduas lidas do estudo, como nos descuidosos prazeres da mocidade."

DA REALIDADE À FICÇÃO
Observa-se, portanto, que o crime foi narrado por vários gêneros diferentes, mostrando-se arqueável e apto a transitar na convergente fronteira da realidade jornalística e da ficção literária. Assim, a Questão Capistrano resgata a dicotomia emblemática da fatualidade e da ficção, exemplificada com maestria na trama naturalista de Aluísio Azevedo.


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