Parodiar a Canção do exílio,
de Gonçalves Dias, tornou-se aos poucos uma conduta literária. Os poetas Oswald
de Andrade, Carlos Drummond de Andrade, Murilo Mendes e José Paulo Paes, entre
outros, serviram-se desse poema, para, a partir da matriz romântica, fazer uma
espécie de desvelamento do país. O nativismo de outrora desaparece em meio ao
olhar crítico, que, a cada novo momento, apanha uma faceta do Brasil e, ao
mesmo tempo, reavalia um ponto de vista. Oswald não desmerece a riqueza
nacional, “Minha terra tem mais ouro/ Minha terra tem mais terra” (Canto do
regresso à pátria), porém, remete-se a ela lembrando-se também dos que a
manusearam em benefício de poucos: “Minha terra tem palmares”. A astúcia de
Oswald é admirável. Ele encontra convivendo ao lado da riqueza natural (“palmeiras”)
a dor e a miséria que marcam a escravidão (“palmares”). No entanto, o poeta não
deixa de ser também inocente. Ao reavivar o estigma da escravidão, Oswald
desmistifica, de um lado, os atrativos e as benesses do solo pátrio, de outro,
entretanto, parece retomar a inocência de antes, na medida em que mistifica a
modernização11.
Ao final do poema é feita uma espécie de súplica:
Não permita Deus que eu morra
Sem que volte pra São Paulo
Sem que veja a Rua 15
E
o progresso de São Paulo
José Paulo Paes, por sua vez,
valoriza em sua versão o entredito. Diferente do momento histórico do poeta
modernista, o terreno sobre o qual José Paulo se desloca pode ser considerado
minado. A dificuldade de se impor às claras contra a ditadura o obriga a ser um
homem de meias palavras. Mas são murmúrios que dizem muito dos apuros do
cotidiano. O sussurro e a elipse são reveladores do sistema de opressão. O
poema Canção de exílio facilitada limita a conversa ao mínimo, e o
mínimo faz as palavras se encherem de significado:
lá?
ah!
sabiá…
papá…
maná…
sofá…
sinhá…
cá?
bah!
Embora o pano de fundo se
mantenha, a versão de Cacaso é mais lúdica, mais irônica e menos elíptica, o
humor lhe serve de instrumento para abordar a tensão e os dilemas que faziam do
cotidiano uma zona de combate (ainda que nesse combate não pudesse ser incluída
a maioria dos brasileiros). O poema resume em sua trajetória (as alamedas são
muitas e variadas entre si) um modo de ver o Brasil que pode ser visualizado do
ponto de vista romântico, bem-humorado ou lúdico e, ao mesmo tempo,
desencantado. Caminha-se, assim, das belezas às mazelas nacionais:
Jogos florais12
I
Minha terra tem palmeiras
onde canta o tico-tico.
Enquanto isso o sabiá
vive comendo o meu fubá.
Ficou moderno o Brasil
ficou moderno o milagre:
a água já não vira vinho
vira direto vinagre.
II
Minha terra tem Palmares
memória cala-te já.
Peço licença poética
Belém capital Pará.
Bem, meus prezados senhores
dado o avançado da hora
errata e efeitos do vinho
o poeta sai de fininho.
(será mesmo com 2 esses
que
se escreve paçarinho?)
temos a impressão de avistar em Jogos
florais um
pouco da nostalgia da Canção do exílio: a natureza em seu esplendor e o
saudosismo que faz embevecer o espírito colocam-se por instantes. O sentimento
teria sido preservado se não se substituísse notadamente o “sabiá”: “Minha
terra tem palmeiras/ onde canta o tico-tico.” O atrevimento e a malícia que se
associam ao “tico-tico” passam a habitar naturalmente a imagem do “sabiá”; e
vice-versa, a amabilidade que define o sabiá marca o comportamento do
“tico-tico”. O “sabiá” torna-se uma ave de rapina: “vive comendo o meu fubá”.
Alude-se aqui ao choro de
Zequinha de Abreu Tico-tico no fubá. Cacaso mostra-se consciente do
alcance dessa parodia no momento em que mescla com precisão o saudosismo do
poema romântico à ludicidade da canção. A troca das aves reforça os traços de
cada um dos elementos em jogo. Acontece que com isso se invalida aquela
nostalgia da abertura. A inocência, não por acaso, se esvai e, nesse escoar,
cede a vez a uma visão de mundo que se mostra menos cândida e mais analítica
sobre o território nacional. Basta ler com atenção a segunda estrofe para se
notar o olhar de reprovação com relação ao desenvolvimento do Brasil e especialmente
ao “milagre econômico”, que parecia ser mesmo uma bênção: “a água já não vira
vinho/ vira direto vinagre”.
Associa-se o avanço da economia
ao relato bíblico, sinal com o qual Jesus revelou-se como o cordeiro de Deus a
ser sacrificado para salvar os homens. Se o intuito não é necessariamente
expressar o grau de falsidade do “milagre econômico” (os historiadores se
encarregaram de examinar em detalhes as contradições que o constituíam),
associar ao milagre o relato bíblico ajuda a escancarar a virulência da modernização.
A velocidade do processo é tamanha que se converte a “água” em “vinagre”. O Messias daqui não veio redimir o indivíduo, livrando-o de seus pecados, mas,
sim, submetê-lo ao consumo, ao jogo de interesses, ao Deus dinheiro, etc. O
poeta retira da modernização o brilho, a áurea de felicidade e a sensação de
bem-estar que a ela se associam para cativar o indivíduo e prendê-lo em sua
rede. A exclusão de tais mecanismos de persuasão faz sobressair o produto da
modernização em curso: a agressividade de suas ações.
Havíamos
visto em Canto do regresso à pátria, de Oswald de Andrade, uma mudança
que extraiu do Brasil majestoso o custo desta majestade: “Minha terra tem
palmares”. A sacada do poeta modernista foi bem aproveitada em Jogos florais.
Cacaso amplia o alcance dessa modificação, escrevendo em
maiúsculo, para surtir ainda mais efeito, o que antes vinha meio acanhado:
“Minha terra tem Palmares”.
A falta de liberdade de expressão
é também a perda da Liberdade. O fato de se recordar, em plena ditadura
militar, do ambiente onde os negros escravizados refugiavam-se para se livrar
do jugo dos senhores de escravo é bem sintomático da condição dos núcleos de
resistência ao longo do regime militar. Os membros da guerrilha urbana são
também fugitivos. E os órgãos de vigilância corresponderiam mutatis mutandis
aos capitães do mato de outros tempos. Dois momentos históricos se cruzam
e, ainda que exijam dois modos de avaliar o tema da opressão, levando-se em
conta todas as diferenças que os individualizam, há que se considerar, no
entanto, o ambiente de opressão, o clima de terror que autoriza uma associação
como esta, favorecendo, então, o confronto de dois períodos da história
brasileira. É uma relação que vem a calhar. Ou viria, não fosse por certo o
temor de ser um dia, quem sabe, uma das vítimas da repressão: “memória cala-te
já.”
O receio de se expor em demasia
reflete o cotidiano de quem se sente mesmo intimidado pelos acontecimentos e
deles não consegue se desvincular a fim de lutar ao menos contra si mesmo. Os
versos finais da primeira estrofe ensaiam uma reação que parece acentuar esse
sentimento, pois, em se tratando de atenuar o que se disse até o momento, se
produz uma cortina de fumaça: “Peço licença poética/ Belém capital Pará”.
A saída do poeta é fazer do verso
“memória cala-te já” uma rima com “Belém capital Pará”, que, diferentemente do
que se constata no Poema de sete faces, “Mundo mundo vasto mundo,/ se eu
me chamasse Raimundo/ seria uma rima, não seria uma solução”, é uma solução em Jogos
florais. Assim como ajuda a despistar também o disfarce da embriaguez:
“dado o avançado da hora/ errata e efeitos do vinho”
A fonte de referência parece ser
de novo Carlos Drummond de Andrade: “mas essa lua/ mas esse conhaque/ botam a
gente comovido como o diabo.” A bebida pode mudar, mas não muda, porém, a força
do álcool e sua capacidade de alterar o eixo do indivíduo, que fica mais “comovido”
e mais falante do que deveria, deixando escapar naturalmente o que há muito
está reprimido. Esse efeito do álcool se adequa bem aos movimentos da paródia:
“a cavaleiro entre a razão desmistificadora (enquanto analisa e ironiza formas
alienadas de dizer) e a pura violência do instinto de morte,”
que não reconhece barreiras. Ainda que se tenha silenciado a
“memória”, e o “vinho” sirva de desculpa, o dedo continua em riste, mesmo em pensamento, como traz ao final Jogos
florais, que anuncia, pelo avesso, os problemas do Brasil. A bola da vez é
o oponente Jarbas Passarinho, ex-ministro da Educação. A pilhéria com seu
sobrenome – “(será mesmo com esses/que se escreve paçarinho?)” – é uma
maneira de alertar sobre as deficiências do ensino público. Ao inserir tais
versos no poema Cacaso reinicia um discurso que parecia ter sido encerrado, e
sua irreverência, mais uma vez, volta a servir de recurso para abordar o
cotidiano e seus impasses.
Compositores
também escreveram releituras da Canção do Exílio. Na MPB, o exemplo mais
conhecido é a canção "Sabiá", composta por Tom Jobim e Chico Buarque.
A música foi composta pelo Tom, intitulada, a princípio, Gávea. Recebeu, em
seguida, a letra de Chico Buarque e passou a se chamar Sabiá.
Apresentada
no III Festival Internacional da Canção, em 1968, recebeu uma sonora vaia no
Maracanãzinho já que concorria com “Prá não dizer que não falei das flores”, de
Geraldo Vandré, a preferida pelo público. Foi taxada de alienada e desvinculada
da realidade nacional por alguns e de nova “Canção do Exílio” por outros.
Apesar de toda rejeição e polêmica, acabou sendo premiada.
Por
ironia, no final do mesmo ano, os militares baixaram o AI-5 e fecharam o
Congresso. Chico Buarque se viu pressionado a deixar o país. e o sabiá e a
palmeira passaram a ser símbolos, também, do exílio político.
Sabiá
Vou voltar!
Sei que ainda vou voltar
Para o meu lugar
Foi lá e é ainda lá
Que eu hei de ouvir
Cantar uma Sabiá...
Vou voltar!
Sei que ainda vou voltar
Vou deitar à sombra
De uma palmeira que já não há
Colher a flor que já não dá
E algum amor
Talvez possa espantar
As noites que eu não queria
E anunciar o dia...
Vou voltar!
Sei que ainda vou voltar
Não vai ser em vão
Que fiz tantos planos
De me enganar
Como fiz enganos
De me encontrar
Como fiz estradas
De me perder
Fiz de tudo e nada
De te esquecer...
Vou voltar
Sei que ainda vou voltar
E é pra ficar
Sei que o amor existe
Não sou mais triste
E a nova vida já vai chegar
E a solidão vai se acabar...
E a solidão vai se acabar...
A
referência ao sabiá e à palmeira já nos remete à Canção do Exílio, de Gonçalves
Dias, mas de uma forma mais triste, melancólica como que para mostrar que essa
volta é impossível.
No
reconhecimento de uma pátria esvaziada e sem perspectiva de modificação
próxima, Chico usa a negação do símbolo palmeira:
"Vou deitar à sombra
de uma
palmeira que já não há
Colher a flor que já não dá"
Na música
“Sabiá”, de Tom Jobim e Chico Buarque, os valores de sua terra foram
destruídos, mas o “eu” poético tem esperança de voltar e encontrar um novo
tempo capaz de modificar a realidade destruída. Durante toda a canção aparece a
dualidade entre o desejo que se queria real e a realidade que se tem:
“ Foi lá e é ainda lá
Que eu hei de ouvir cantar
Uma sabiá.”
Como numa
visão premonitória baseada pela situação do país, o autor da letra percebia a
solidão das noites de exílio que iria viver longe das palmeiras e sabiás:
“As noites que eu não queria
E anuncia o dia.”
Mesmo
existindo o sentimento de perda, existencial e político, durante toda a música
ainda há o desejo do regresso para o lugar de paz – a pátria. Se na Canção do
Exílio, de Gonçalves Dias, a pátria corresponde a um lugar de prazer, na música
Sabiá essa pátria foi desfigurada principalmente na sua essência. O exílio é de
todos. O regresso, então, seria a volta a uma realidade diferente do regime
militar vigente na época:
“Vou voltar!
Sei que ainda vou voltar
Para o meu lugar
Foi lá e é ainda lá
Que eu hei de ouvir
Cantar uma Sabiá”
A
esperança do regresso é viva e a saudade tem um sentido social: a recuperação
da pátria perdida.
Carlos
Drummond de Andrade também escreve a sua Nova canção do exílio, em 1945, que é
dedicada a Josué Montello. Das diferentes leituras do poema Canção do Exílio
que possibilitam o conhecimento da nossa pátria ao mesmo tempo em que nos
reconhecemos como parte dela, é meu preferido.
Drummond,
mais filosófico, reflete, em seu poema, sobre a distância da felicidade
existente na sua terra natal e não tem o tom crítico de Oswald de Andrade e
Murilo Mendes.
O poeta,
em sua releitura, retoma a imagem do sabiá e da palmeira para idealizar um
lugar indeterminado. Na construção “um sabiá, na palmeira, longe” percebe-se a
indeterminação – de qual sabiá? Em que palmeira? Longe onde? Como sabiá e
palmeira já estão plantados na imaginação do leitor, ele apenas os enuncia.
No final
do poema, o poeta inverte a posição do sabiá/palmeira e, além de determinar “a
palmeira, o sabiá”, através do uso do artigo definido, substantiva o advérbio
“longe”, reforçando a ideia de exílio: o “longe”, lugar de onde veio. Esse
afastamento constitui o seu exílio.
Drummond
vai além do nacionalismo, discute sobre os lugares míticos que criamos na
imaginação, em geral associados à terra natal: "onde tudo é belo / e
fantástico: / a palmeira, o sabiá, / o longe".
Nova
Canção do Exílio
Um sabiá
na
palmeira, longe.
Estas
aves cantam
um outro
canto.
O céu
cintila
sobre
flores úmidas.
Vozes na
mata,
e o maior
amor.
Só, na
noite,
seria
feliz:
um sabiá,
na
palmeira, longe.
Onde tudo
é belo
e
fantástico,
só, na
noite,
seria
feliz.
(Um
sabiá,
na
palmeira, longe.)
Ainda um
grito de vida e
voltar
para onde
tudo é belo
e
fantástico:
a
palmeira, o sabiá,
o longe.
(Carlos
Drummond de Andrade)
O sucesso
alcançado pelo poema Canção do Exílio de Gonçalves Dias tornou-se o grande
paradigma do nacionalismo literário no Brasil. Vários poetas, posteriores a
Gonçalves Dias, seguiram a mesma linha explicitando um olhar otimista e, ao
mesmo tempo, saudoso sobre o país.
Casimiro
de Abreu, contemporâneo de Gonçalves Dias, usa a mesma temática em alguns de
seus poemas.
Em 1855,
Casimiro de Abreu também escreveu uma canção do exílio:
Eu nasci
além dos mares
Eu nasci
além dos mares:
Os meus
lares,
Meus amores
ficam lá!
― Onde
canta nos retiros
Seus
suspiros,
Suspiros
o sabiá!
Oh! Que
céu, que terra aquela,
Rica e
bela
Como o
céu de claro anil!
Que
seiva, que luz, que galas,
Não
exalas,
Não
exalas, meu Brasil!
Oh! Que
saudades tamanhas
Das
montanhas,
Daqueles
campos natais!
Que se
mira,
Que se
mira nos cristais!
Não amo a
terra do exílio
Sou bom
filho,
Quero a
pátria, o meu país,
Quero a
terra das mangueiras
E as
palmeiras
E as
palmeiras tão gentis!
Como a
ave dos palmares
Pelos
ares
Fugindo
do caçador;
Eu vivo
longe do ninho;
Sem
carinho
Sem
carinho e sem amor!
Debalde
eu olho e procuro...
Tudo
escuro
Só vejo
em roda de mim!
Falta a
luz do lar paterno
Doce e
terno,
Doce e
terno para mim.
Distante
do solo amado
―
Desterrado ―
a vida
não é feliz.
Nessa
eterna primavera
Quem me
dera,
Quem me
dera o meu país!
(Casimiro
de Abreu)
Em outro
poema, datado de 1856, Casimiro de Abreu usa como epígrafe os dois primeiros
versos do poema de Gonçalves Dias, mostrando as qualidades que existem
amplamente no Brasil por ser a “minha terra” e que não existem em qualquer
outro lugar.
Minha
Terra
Minha
terra tem palmeiras
Onde
canta o sabiá.
(Gonçalves
Dias)
Todos
cantam sua terra,
Também
vou cantar a minha,
Nas
débeis cordas da lira
Hei de
fazê-la minha rainha;
— Hei de
dar-lhe a realeza
Nesse
trono de beleza
Em que a
mão da natureza
Esmerou-se
em quanto tinha.
Correi
pras bandas do sul:
Debaixo
dum céu de anil
Encontrareis
o gigante
Santa
Cruz, hoje Brasil;
— É uma
terra de amores
Alcatifada
de flores
Onde a brisa
fala amores
Nas belas
tardes de Abril.
Tem
tantas belezas, tantas,
A minha
terra natal.
Que nem
as sonha um poeta
E nem as
canta um mortal!
— É uma
terra encantada
— Mimoso
jardim de fada —
Do mundo
todo invejada,
Que o
mundo não tem igual.
Não, não
tem, que Deus fadou-a
Dentre
todas — a primeira:
Deu-lhe
esses campos bordados,
Deu-lhe
os leques das palmeiras.
E a
borboleta que adeja.
Sobre as
flores que ela beija.
Quando o
vento rumoreja
Nas
folhagens da mangueira.
É um país
majestoso
Essa terra
de Tupã,
Desd’o
Amazonas ao Prata,
Do Rio
Grande ao Pará!
— Tem
serranias gigantes
E tem
bosques verdejantes
Que
repetem incessantes
Os cantos
do sabiá.
(...)
(Casimiro
de Abreu)
Em sua
“Canção do Exílio” continua seguindo a mesma temática, apenas acrescentando ao
poema uma referência à sua infância, à figura materna e substituindo
“palmeiras” por “laranjeiras”.
Essa
“Canção do Exílio” foi escrita em Lisboa, no ano de 1857. O poema soa como uma
premonição de um desejo que na verdade se realizou, já que morreu aos 21 anos
de idade, em terras brasileiras.
Canção do
Exílio
Se eu
tenho que morrer na flor dos anos
Meu Deus!
não seja já:
Eu quero
ouvir na laranjeira, à tarde,
Cantar o
sabiá!
Meu Deus,
eu sinto e tu bem vês que eu morro
Respirando
êste ar;
Faz que
eu viva, Senhor! dá-me de novo
Os gozos
do meu lar!
O país
estrangeiro mais belezas
Do que a
pátria não tem;
E este
mundo não vale um só de beijos
Tão doces
de uma mãe!
Dá-me os
sítios gentis onde eu brincava
Lá na
quadra infantil;
Dá que eu
veja uma vez o céu da pátria,
O céu do
meu Brasil!
Se eu
tenho de morrer na flor dos anos
Meu Deus!
não seja já:
Eu quero
ouvir na laranjeira, à tarde,
Cantar o
sabiá!
(Casimiro
de Abreu)
O
modernista Murilo Mendes, em 1930, também revisitou a Canção do Exílio de
Gonçalves Dias. Se o poema de Gonçalves Dias e o Hino Nacional são uma
exaltação ufanista da natureza brasileira, os versos de Murilo Mendes tem
intenção oposta, pois pretendem ridicularizar esse nacionalismo exaltado.
Murilo
escreve sua "Canção do Exílio", empregando o mesmo tom
paródico-piadista de Oswald de Andrade. Em sua “Canção do Exílio”, utiliza o
mesmo humor e sátira de Oswald, porém de forma mais ousada denuncia a invasão cultural
estrangeira no Brasil. Seu poema critica a realidade cultural brasileira. Ele
não aceita tudo o que vêm de fora já que também temos coisas boas que devem ser
valorizadas. As nossas frutas, como são exportadas, tem o preço elevado e o
poeta é um exilado em sua própria terra.
Sua terra
se torna verdadeiramente seu Brasil, quando manifesta a vontade de “chupar uma
carambola de verdade” e de ouvir um sabiá (pássaro ou povo), que tenha certidão
de nascimento brasileira, cantar.
Canção do
Exílio
Minha terra
tem macieiras da Califórnia
onde
cantam gaturamos de Veneza.
Os poetas
da minha terra
são
pretos que vivem em torres de ametista,
os
sargentos do exército são monistas, cubistas.
Os
filósofos são polacos vendendo a prestações.
A gente
não pode dormir
com os
oradores e os pernilongos.
Os
sururus em família têm por testemunha a Gioconda.
Eu morro
sufocado
em terra
estrangeira.
Nossa
flores são mais bonitas
nossas
frutas mais gostosas
mas
custam cem mil-réis a dúzia.
Ai quem me
dera chupar uma carambola de verdade
e ouvir
um sabiá com certidão de identidade!
(Murilo
Mendes)