Morte e Vida Severina
João Cabral de Melo Neto
Roteiro de Leitura
Carlos
Rogério D. Barreiros
UM AUTO
DE NATAL PERNAMBUCANO
Morte e Vida
Severina é a narrativa em versos da
viagem que o retirante Severino faz de sua terra — a serra da Costela, nos
limites da Paraíba — até Recife, seguindo o curso do rio Capibaribe.
Chamada auto pelo próprio autor, assemelha-se às
composições de caráter religioso ou moral dos séculos XV e XVI, cuja
representação teve origem nos Presépios,
encenações do nascimento de Cristo, típicas também em Pernambuco, estado em que
corre a obra de João Cabral de Melo Neto. Os versos que compõem a narrativa são
predominantemente redondilhas e não apresentam estrutura rítmica regular.
Divide-se o texto em dezoito quadros — cujos títulos são uma pequena síntese do
que será lido adiante. Os nove primeiros retratam o curso da viagem de Severino
a Recife; os outros, suas experiências na cidade que tanto esperava.
No primeiro
quadro, o retirante explica ao leitor quem é e a que vai, mas se depara logo de
início com uma dificuldade: como poderá identificar-se, se há tantos Severinos
iguais a ele, com mães e pais cujos nomes também são extremamente comuns?
Como há muitos Severinos
que é santo de romaria,
deram então de me chamar
Severino de Maria;
como há muitos Severinos
com mães chamadas Maria,
fiquei sendo o da Maria
do finado Zacarias.
Mas isso ainda diz pouco:
há muitos na freguesia,
por causa de um coronel
que se chamou Zacarias
e que foi o mais antigo
senhor desta sesmaria.
Nota-se a
despersonalização do protagonista, que ele mesmo reafirma, logo depois:
Somos muitos Severinos
iguais em tudo nesta vida:
na mesma cabeça grande
que a custo é que se equilibra,
no mesmo ventre crescido
sobre as mesmas pernas finas,
e iguais também porque o sangue
que usamos tem pouca tinta.
Se se assemelha a
outros tantos Severinos fisicamente, também será igual a eles na morte severina, que explica ou condensa parte
do título:
morremos de morte igual,
mesma morte severina:
que é a morte de que se morre
de velhice antes dos trinta,
de emboscada antes dos vinte,
de fome um pouco por dia
(de fraqueza e de doença
é que a morte severina
ataca em qualquer idade,
e até gente não nascida).
A morte ocasionada
pelas injustiças sociais — de velhice
antes dos trinta e de fome um pouco por dia — ou pela violência
do sertão
— de emboscada
antes dos vinte — é a mesma para todos os Severinos, fadados a ela desde o dia
em que nascem. Para a compreensão do texto, é essencial a compreensão do
binômio morte/vida: repare que a
narrativa, iniciada com um comentário sobre
a morte comum a
todos os retirantes do sertão, é terminada com um nascimento — a explosão da
vida, mesmo que Severina.
Depois de se
apresentar e convidar os leitores — tratados respeitosamente por Vossas
Senhorias — a acompanhá-lo em sua jornada até o Recife, o retirante encontra dois homens carregando um defunto
numa rede, aos gritos de: “ó irmãos das almas!
Irmãos das almas!
Não fui eu que matei não!”. É a segunda morte com que Severino se depara: o
defunto carregado morreu de
morte matada por ter alguns hectares de terra,
evidenciando, mais uma vez, a violência que é
causa mortis no sertão:
— E era grande sua lavoura,
irmãos das almas,
lavoura de muitas covas,
tão cobiçada?
— Tinha somente dez quadras,
irmão das almas,
todas nos ombros da serra,
nenhuma várzea.
— Mas então por que o mataram,
irmãos das almas,
mas então por que o mataram
com espingarda?
— Queria mais espalhar-se,
mas então por que o mataram
com espingarda?
— Queria mais espalhar-se,
irmão das almas,
queria voar mais livre
essa ave-bala.
O diálogo tem o
vocativo irmão das almas no segundo verso, criando uma ladainha. A ave-bala é a
metáfora da violência praticada pelos grandes proprietários, que deixará a semente de chumbo guardada no cadáver. Severino propõe-se a
ajudar os irmãos dasalmas a carregá-lo.
No terceiro
quadro, o retirante tem medo de se extraviar porque seu guia, o rio Capibaribe,
cortou com o verão, ou seja, secou. Compara-se o trajeto até Recife com um
rosário cujas contas são as vilas e cidades e cuja linha é o rio: o retirante
sabe que deve rezá-lo até que o rio encontre o mar, mas não é fácil porque
entre uma conta e outra conta,
entre uma e outra ave-maria,
há certas paragens brancas,
de plantas e bichos vazias,
vazias até de donos,
e onde o pé se descaminha.
Desorientado, ouve
um canto distante em uma casa, onde se cantam excelências para um defunto,
enquanto um homem, do lado de fora, vai parodiando as palavras dos cantadores:
é mais uma morte no caminho do retirante. A paródia do homem fala das coisas de
não, como se a morte severina — o defunto, curiosamente, chama-se Severino —
fosse negação absoluta do que é vida:
— Finado Severino,
quando passares em Jordão
e os demônios te atalharem
perguntando o que é que levas...
— Dize que levas cera,
capuz e cordão
mais a Virgem da Conceição.
(...)
— Dize que levas somente
coisas de não:
fome, sede, privação.
(...)
— Dize que coisas de não,
ocas, leves:
como o caixão, que ainda deves
No quinto quadro,
o retirante questiona-se sobre a vida e sobre a morte: talvez seja prudente
parar naquele lugar para procurar
trabalho.
— Desde que estou retirando
só a morte vejo ativa,
só a morte deparei
e às vezes até festiva;
só morte tem encontrado
quem pensava encontrar vida,
e o pouco que não foi morte
foi de vida severina
(aquela vida que é menos
vivida que defendida,
e é ainda mais severina
para o homem que retira).
Cansado do
encontro com a morte, o retirante afirma que a pouca vida que encontrou era,
também, severina. Note o jogo feito com a palavra severino, diminutivo do
adjetivo severo: a vida e a morte são o mesmo, severas — porque a primeira é
assolada pela segunda — e anônimas, como insinuou o próprio retirante no início
da narrativa.
No sexto quadro,
dirige-se à mulher na janela, que talvez lhe pudesse dar notícia de algum
trabalho. No entanto, tudo que se faz naquele lugar está relacionado à morte:
ela é a rezadora titular dos defuntos de toda a região. Mesmo que Severino
saiba lavrar, arar,tratar de gado, cozinhar ou tratar de moenda, pouco poderá
fazer ali:
— Como aqui a morte é tanta,
só é possível trabalhar
nessas profissões que fazem
da morte ofício ou bazar.
A morte atrai moradores do litoral, interessados em
ganhar
dinheiro. São os retirantes às avessas:
Imagine que outra gente
de profissão similar,
farmacêuticos, coveiros,
doutor de anel no anular,
remando contra a corrente
da gente que baixa ao mar,
retirante às avessas,
sobem do mar para cá.
Comparam-se os
trabalhos que são feitos na terra com os ofícios que a morte exige. Ela é mais
lucrativa e menos trabalhosa, pois no “cultivo da morte” as pragas e estiagens
são aproveitáveis:
Só os roçados da morte
compensam aqui cultivar,
e cultivá-los é fácil:
simples questão de plantar;
não se precisa de limpar,
de adubar nem de regar;
as estiagens e as pragas
fazem-nos mais prosperar;
e dão lucro imediato;
nem é preciso esperar
pela colheita: recebe-se
na hora mesma de semear.
A zona da mata,
que parecia tão encantadora no sétimo quadro, será tão dura quanto o sertão,
quando Severino assistir ao enterro de um trabalhador.
Se naquela terra
mais branda e
macia/ quanto mais do litoral/ a viagem se aproxima a vida
não era tão áspera, parece óbvio ao retirante que ali
não é preciso trabalhar
todas as horas do dia,
os dias todos do mês,
os meses todos da vida.
No entanto, no
enterro do oitavo quadro observa-se que a morte ainda se faz presente, mesmo em
terra tão rica e fértil. É o trecho mais famoso do poema:
— Essa cova em que estás,
com palmos medida,
é a conta menor
que tiraste em vida.
— É de bom tamanho,
nem largo nem fundo,
é a parte que te cabe
deste latifúndio.
— Não é cova grande,
é cova medida,
é a terra que querias
ver dividida.
— É uma cova grande
para teu defunto parco,
porém mais que no mundo
te sentirás largo.
— É uma cova grande
para tua carne pouca,
mas a terra dada
não se abre a boca.
Ao defunto cabe
calar-se por ter recebido terra de graça. Ciente de que a vida e a morte na
serra, onde nasceu, na caatinga e na zona da mata é exatamente a mesma,
Severino afirma que o que o levou a retirar-se não foi a cobiça, mas a vontade
de estender a vida, já que havia conseguido alcançar os vinte anos. Assim,
apressa o passo,
reza a última ave-maria — isto é, atravessa a última cidade — do rosário no
nono quadro e chega a Recife no décimo, em que, sentado para descansar, ouve a
conversa de dois coveiros. Um deles trabalha em Santo Amaro, e por isso é invejado
pelo outro, empregado da Casa Amarela, cemitério dos retirantes, dos pobres e
dos miseráveis. Ambos não entendem os retirantes:
— Eu também, antigamente,
fui do subúrbio dos indigentes,
e uma coisa notei
que jamais entenderei:
essa gente do Sertão
que desce para o litoral, sem razão,
fica vivendo no meio da lama,
comendo os siris que apanha;
pois bem: quando a sua morte chega,
temos de enterrá-los em terra seca.
(...)
— Mas o que se vê não é isso:
é sempre nosso serviço
crescendo mais cada dia;
morre gente que nem vivia.
— E esse povo lá de riba
de Pernambuco, da Paraíba,
que vem buscar no Recife
pode morrer de velhice,
encontra só, aqui chegando
cemitérios esperando.
— Não é viagem o que fazem
vindo por essas caatingas, vargens;
aí está seu erro:
vêm é seguindo seu próprio enterro.
A ideia de que a
jornada até Recife era, na verdade, seu próprio
funeral desanima
Severino. O décimo primeiro quadro é um
monólogo em que a ideia
do suicídio, à beira do mar, em um
cais do rio
Capibaribe, é sugerida:
A solução é apressar
a morte a que se decida
e pedir a este rio,
que vem também lá de cima,
que me faça aquele enterro
que o coveiro descrevia.
O mestre José,
carpinteiro, — não por acaso, homônimo do pai de Cristo — morador de um dos
mocambos que existem entre o cais e a água do rio, surge no décimo segundo
quadro para ser questionado por Severino: que valor tem a vida, se Severina até
a morte? José é categórico:
— Severino, retirante,
muita diferença faz
entre lutar com as mãos
e abandoná-las para trás,
porque ao menos esse mar
não pode adiantar-se mais.
O mar citado acima
é a miséria que se agiganta cada dia mais sobre os tantos severinos, mas o
mestre não pensa que é necessário dobrar-se a ele. Depois de uma série de
perguntas, o retirante finalmente expõe sua verdadeira intenção:
— Seu José, mestre carpina,
que diferença faria
se em vez de continuar
tomasse a melhor saída:
a de saltar, numa noite,
fora da ponte e da vida?
Subitamente, no
décimo terceiro quadro, uma mulher, da porta de onde saiu o homem,
anuncia-lhe que nasceu seu filho:
Saltou para dentro da vida
ao dar seu primeiro grito;
e estais aí conversando;
pois sabei que ele é nascido.
É a resposta ao
que Severino havia acabado de perguntar: enquanto pensava em saltar fora da
vida, salta-lhe quase ao colo o filho do mestre. O décimo quarto quadro é todo
de louvor ao nascido; vizinhos, amigos e duas ciganas cantam lhe a vida:
— Todo céu e a terra
lhe cantam louvor
e cada casa se torna
num mocambo sedutor.
— Cada casebre se torna
no mocambo modelar
que tanto celebram os
sociólogos do lugar.
Mesmo miseráveis,
os visitantes presenteiam a criança. Cadaum dá o que pode, cobrindo o pequeno
de elogios e
esperanças:
— Minha pobreza tal é
que não tenho presente melhor:
trago papel de jornal
para lhe servir de cobertor;
cobrindo-lhe assim de letras
vai um dia ser doutor.
O ambiente otimista é quebrado por uma das ciganas, que
anuncia como inevitável o destino do filho de José:
Cedo aprenderá a caçar:
primeiro, com as galinhas,
que é catando pelo chão
tudo o que cheira a comida;
depois, aprenderá com
outras espécies de bichos:
com os porcos nos monturos,
com os cachorros no lixo.
A vida do garoto
será semelhante à de um animal. No entanto,a outra cigana enxerga um futuro
melhor, ainda que sofrido:
Não o vejo dentro dos mangues,
vejo-o dentro de uma fábrica:
se está negro não é lama,
é graxa de sua máquina,
coisa mais limpa que a lama
do pescador de maré
que vemos aqui, vestido
de lama da cara ao pé.
No décimo sétimo
quadro, a criança é elogiada pelos visitantes, que a identificam com o sim —
que se opõe às coisas de não
— e com o novo:
— De sua formosura
deixai-me que diga:
tão belo como um sim
numa sala negativa.
(...)
— Belo porque tem do novo
A surpresa e a alegria.
— Belo como a coisa nova
na prateleira até então vazia.
(...)
— E belo porque com o novo
todo o velho contagia.
O último quadro
está reproduzido integralmente abaixo: O Carpina fala com o retirante que
esteve de fora,
sem tomar parte em
nada
— Severino retirante,
deixe agora que lhe diga:
eu não sei bem a resposta
da pergunta que fazia,
se não vale mais saltar
fora da ponte e da vida;
nem conheço essa resposta,
se quer mesmo que lhe diga;
é difícil defender,
só com palavras, a vida,
ainda mais quando ela é
esta que vê, severina;
mas se responder não pude
à pergunta que fazia,
ela, a vida, a respondeu
com sua presença viva.
E não há melhor resposta
que o espetáculo da vida:
vê-la desfiar seu fio,
que também se chama vida,
ver a fábrica que ela mesma,
teimosamente, se fabrica,
vê-la brotar como há pouco
em nova vida explodida;
mesmo quando é assim pequena
a explosão, como a ocorrida;
mesmo quando é uma explosão
como a de há pouco, franzina;
mesmo quando é a explosão
de uma vida severina.
Mesmo que não se
considere apto a responder a pergunta de Severino, José afirma que a explosão
da vida de seu filho, que ambos puderam apreciar, era a alternativa: mesmo com
as mazelas, a vida deve ser vivida, mesmo que seja severina.
João Cabral de
Melo Neto e o estilo da faca
Uma faca só
lâmina
O poema “Uma faca só lâmina”, de João Cabral de Melo Neto, se compõe
de 348 versos, divididos em nove partes intituladas por letras maiúsculas de A a
precedidas por uma introdução e seguidas de um epílogo. Cada uma contém oito
quadras de rimas pares. Ele se constrói a partir de relações comparativas,
baseadas em três objetos: a bala, o relógio e a faca. O primeiro verso já indica
tratar-se de uma espécie de discurso interrompido. O leitor se depara com a
expressão “Assim como”, que provoca a sensação de continuação de uma fala
anterior. Outras expressões, “qual”, “igual a” aparecem no restante do poema e
perpetuam essa idéia. Ao mesmo tempo, pressupõe-se um diálogo e, portanto, a
existência de um interlocutor, devido ao “vossa anatomia” presente no verso 24
A dificuldade de falar sobre o objeto leva ao uso de uma série de
metáforas. Não se consegue descrever o objeto a partir dele próprio, então se
utilizam outros objetos para construir imagens a fim de tentar chegar até ele.
Embora se encontrem no lugar da coisa comparada, não a representa, são
insuficientes. Estabelecem-se comparações, relações, porém não se chega ao
objeto por meio delas, mas ele parece se esquivar, se esvair.
Seja bala, relógio,
Ou a lâmina colérica,
É contudo uma ausência
O que esse homem leva.
A indefinição do objeto se define pela ausência, talvez, por isso, a
dificuldade, por não se conhecer os limites da ausência. Em A, três estrofes se
iniciam pelos contraditórios versos “...o que não está/ nele está como...” É a
presença da ausência, paradoxo caracterizador, que habita tanto o corpo físico
quanto o espiritual. Haveria uma condição humana de ausência, capaz de garantir
universalidade a todos os homens.
Os casos exemplares da bala, que pesa, do relógio pulsante e da faca, que
corta, suprimem metaforicamente a coisa comparada, mas ao mesmo tempo é
designada por elas como ausente. Todas as imagens carregam significações
contraditórias. Ao invadir um corpo, uma bala torna-o mais pesado, mas o que se
agrega a esse corpo, na verdade, não pretende lhe acrescentar nada, pois está ali
para lhe tirar a vida. O relógio, que pulsa impiedosamente, parece querer lembrar
que a cada movimento retira mais um instante da vida do homem, que
irremediavelmente não mais voltará.
Apesar de fazer uso da “bala” e do “relógio”, a imagem mais próxima é a da
faca, mais especificamente da “faca que só tivesse lâmina”.
porque nenhum indica
essa ausência tão ávida
como a imagem da faca
que só tivesse lâmina
O próprio título da obra já demonstra essa carência, uma faca cujo cabo lhe
falta, daí a dificuldade de pegá-la. Como segurar uma faca com apenas a lâmina?
Como manuseá-la? Quem tentar segurá-la, certamente se cortará, pois ela é toda
corte, pronta para cortar e machucar o tempo todo, totalmente potência arisca
para ferir. E essa justamente é a sua natureza: do corte, da ferida impiedosa. A
parte B se dedica a descrevê-la pela essência que a caracteriza:
medra não do que come
porém do que jejua.
Ela não perde o corte por cortar, mas por não cortar. Traz em si essa
potência inegável, que precisa se manifestar para ser ela mesma com mais
intensidade, para se mostrar em toda a sua plenitude.
a lâmina despida
que cresce ao se gastar,
que quanto menos dorme
quanto menos sono há
Os versos componentes da parte C abordam o cuidado necessário com o
objeto, no manuseio dele, ou seja, quem o utiliza deve se assegurar de algumas
precauções. Contudo, “o importante é que a faca/ o seu ardor não perca”, há os
interessados na manutenção dessa faca só lâmina para que a madeira não a
corrompa. A madeira pode corromper, por ocupar o espaço que também poderia
ser lâmina e, assim, menos lâmina, menos corte. Também a madeira constitui o
local reservado para quem pretende segurar a faca, lembrando a responsabilidade
da mão que a direciona. A faca é potência de corte, mas sozinha ela não sai do
lugar. Todo poder de destruição que encerra depende da mão humana para vir à tona.
Mesmo parada, guarda a potência “talvez que não se apague/ e somente
adormeça” na “maré-baixa”. O fato de manter-se inativa não significa que assim
permanecerá.
(Porém quando a maré
já nem se espera mais,
eis que a faca ressurge
com todos seus cristais)
Seja bala, relógio ou faca está interiorizado, como mencionado na
introdução (“enterrada no corpo”, “submerso em algum corpo”) e reiterado em G
(“encerrado no corpo”). Não se pode retirar, faz parte do ser humano, lhe é
indissociável, próprio, e do qual ninguém pode privá-lo. Uma ausência que o
integra, da qual não se pode fugir, pois lhe é inerente (“leva às vezes na carne,
“leva no músculo”), justamente a ausência que torna o corpo “mais desperto”, dá
“maior impulso” ao homem.
Afinal, a insatisfação, o descontentamento, o inconformismo levam o
homem a se superar, a ir além daquilo que esperam dele, a ultrapassar os seus
próprios limites. O desejo incontrolável nasce da falta, de uma carência
insuportável. No entanto, satisfazer um desejo nunca lhe garante a plenitude, pois
essa falta permanente, essa incompletude inerente produz mais e mais desejos
em busca de realização. O homem nunca se dá por satisfeito, nunca está
completo, sempre lhe faltará algo. É essa falta que faz ele estar sempre em busca,
à procura de. Lidar com essa eterna insatisfação e incompletude fortalece o homem.
Em volta tudo ganha
A vida mais intensa
Em meio à rotina, o lado mais cortante se revela. É preciso coragem para
se arriscar, aquilo que parece ruim, pode ser bom, depende do olhar, da vontade,
da disposição para se rasgar. Bala, relógio, faca paradas, imóveis, parecem
inofensivos, mas guardam a potência, como o homem. Basta um simples gesto
para afirmar a essência de cada uma delas, mas é necessária a atitude. No caso
do relógio, atitude em forma de reflexão (que também é ação), pensar sobre o que
se fez e o que se fará com o tempo disponível, como aproveitá-lo da melhor
maneira possível. Atitude sempre requer coragem. E pensar talvez seja o que
mais necessite disso, pois o pensamento leva o homem ao sofrimento, à angústia
de perceber os rumos que a vida tomou, ao assumir os sonhos desfeitos, as
desilusões inevitáveis.
Na parte H e no epílogo, o poema se refere explicitamente à linguagem. A
incapacidade da linguagem já se evidenciara nos primeiros versos, diante das
metáforas sempre insuficientes para se atingir o objeto. Agora se afirma a utilidade
das imagens citadas (bala, relógio, faca), pois o esforço da construção das
metáforas exige que o poeta vá além do uso cotidiano das palavras. Asfixiadas
“debaixo do pó”, “despercebidas” no dia-a-dia tornam-se “palavras extintas” “no
almoxarifado”. Para lhes dar vida novamente, é preciso recuperar a potência
oculta que as caracteriza, essência inerente sempre pronta a ser renovada.
Pois somente essa faca
dará a tal operário
olhos mais frescos para
o seu vocabulário.
A linguagem também trabalha com esse jogo de presença e ausência.
Diante do leitor, o poema está presente, mas para que se configure de forma mais
plena, requer que se leia o que está ausente e, ao mesmo tempo, presente na
ausência, nas entrelinhas dos versos. Quando a palavra se liberta do seu
referencial e, trabalhada poeticamente, contempla a ambigüidade, liberta-se das
amarras da linguagem e se faz mais linguagem. Ao rasgar a si mesma, revela-se
em toda a potência inerente de criação e, se recriando, reinventa o mundo ao
redor.
A transgressão linguística decorre justamente da capacidade
que tem o signo poético, movido pelo vigor da linguagem, de
querer ser e não apenas significar. Assim ele se configura
como um anti-signo e a ambiguidade se apresenta então,
como a marca no texto poético da ação libertadora da
linguagem. (SOARES, 1978, p.33)
Se “a criação poética é todo um trabalho de recriação e libertação”
(SOARES, 1978, p.64), todo o poema “Uma faca só lâmina” consiste numa
“dialética de aproximação a um objeto cuja própria natureza recusa a apreensão”.
(BARBOSA, 1975, p.149) O conflito dramático que alimenta a obra se baseia na
luta entre aquilo que se quer dizer e aquilo que pode ser dito. E, para poder dizer,
o poeta se utilizará de
O que em todas as facas
é a melhor qualidade:
a agudeza feroz,
certa eletricidade,
mais a violência limpa
que elas têm, tão exatas,
o gosto do deserto,
o estilo das facas.
O gosto do deserto, o estilo das facas é o estilo que norteia a própria
composição do poema. João Alexandre Barbosa considera que, na maior parte da
obra de João Cabral de Melo Neto, pode-se perceber o sentido de “imitação da
forma”, ou seja, como o poeta aprende com os objetos uma maneira de imitar a
realidade. Isso ocorre com a imagem da “pedra”, em outros poemas, e aqui no
caso da “faca”. Essas imagens expressam a linguagem da carência e da dureza,
da secura, e estabelecem a relação de dependência entre a composição e a
comunicação, pois os objetos lhe ensinam como ler a realidade, que se torna a
estratégia pela qual é possível falar no poema. Aquela experiência única que
aparentemente não se deixa apreender provoca outra experiência única, o poema,
que se multiplica nas interpretações de cada leitor. O aprendizado dessa
linguagem da carência se configura como orientação aos procedimentos que
contribuem para a intensificação daquilo que o poema diz.
O esforço desse “querer dizer” converge numa espécie de conflito
dramático existente em “Uma faca só lâmina”: insistir no dizer mesmo diante de
toda a extrema dificuldade de se expressar. Isso levaria à afirmação de Escorel
(2001, p.131) de que “a essência do drama é o conflito entre pólos contrastantes”.
Na dramaticidade do fazer de João Cabral, convivem a subjetividade lírica e o
objetivismo social. Assim, o que o define como um “poeta essencialmente
dramático” é a interação dialética do sujeito que se projeta no objeto e do objeto
que se introjeta no sujeito.
Essa tendência dialética se afirma na luta dramática das tentativas de se
conseguir falar sobre um vazio, que se exprime numa sensação de discussão
entre as metáforas de “Uma faca só lâmina”. A própria seleção dos objetos já
consiste numa escolha subjetiva, portanto objetividade e subjetividade não
constituem conceitos tão estanques e opostos quanto supõe a visão lírica
tradicional.
Por isso, Secchin (1985, p.221), formula a hipótese da poesia do menos, na
qual Cabral amputa o excesso de significações pelo “desejo de que as ‘lições’ do
real emanem de processos localizáveis nas próprias coisas, e não dos
investimentos apriorísticos da subjetividade.” Contudo, também não ocorre a mera
substituição do “culto do eu” pelo “culto do objeto”, pois essa dicotomia ingênua
deve ser questionada. A explicação do eu só tem sentido se serve para valorizar o
coletivo, que se mescla à voz individual. Qualquer poeta não deve pretender se
fechar em si mesmo para se isolar, mas encontrar o que também fala sobre os
outros homens, o universal, a fim de permitir que os leitores leiam a si mesmos e
não o poeta.
A linguagem não pode com o instante primeiro da apreensão perceptiva.
Quando se usa a linguagem, ela não substitui a experiência original, que é única,
mas cria outra realidade, o próprio poema, a partir da experiência primeira.
e daí a lembrança
que vestiu tais imagens
e é muito mais intensa
do que pôde a linguagem,
e afinal à presença
da realidade, prima,
que gerou a lembrança
e ainda a gera, ainda,
por fim à realidade,
prima, e tão violenta
que ao tentar apreendê-la
toda imagem rebenta.
Conclusão
Seja “poesia do menos” ou “imitação da forma”, independentemente de
conceitos teóricos, a poética cabralina simultaneamente constrói a sua própria
ética, que permeia toda a obra e, também, se faz presente em “Uma faca só
lâmina”.
Para Benedito Nunes (1974, p.171), a imagem da “pedra”, que contém “o
ideal ético de resistência fria, de dureza obstinada e agressividade”, se transforma
na lâmina da faca. Se a pedra conserva uma resistência moral, a faca guarda em
sua natureza cortante, aguda, penetrante e agressiva uma inquietação torturante.
A edição das Poesias Completas, de 1968, traz o subtítulo que não
constava na publicação original de 1956, em Duas Águas, “(ou: a serventia das
idéias fixas)”. Uma “ideia fixa” corresponde a um desejo obsessivo, que se
consolida pelo não agir, que se refaz de forma permanente, justamente porque
não se concretizou, “seu modo de ser é um não-ser ativo” (NUNES, 1974, p.101),
que se nutre da própria carência.
Em uma faca composta apenas de lâmina basta encostar para se dar o
corte, porque tal como se alimenta uma ideia fixa a cada dia, a lâmina guarda uma
ausência torturante dentro de si, potência pronta para se manifestar num simples
gesto. Da mesma forma, a visão ética severa, que acompanha a poética do
esvaziamento, serve não para esvaziar o homem, mas para mostrar como a falta
produz o desejo que move o ser humano, capaz de colocar em atividade o que se
mantém aparentemente inativo, porém conserva sua potência destruidora intacta
pronta para se manifestar a qualquer momento. Em Cabral, a carência e a
ausência geram produtividade, o esvaziamento constitui parte do processo para a
plenitude do ser.
Quanto mais longe se vai na literatura, mais adiante se vai no próprio
homem. A poesia é ambígua e contraditória, porque o próprio homem também é
um ser essencialmente ambíguo e contraditório. Portanto, sempre há algo a ser
explorado no reverso do que se mostra.
Roberta da Costa de Sousa, mestranda em Teoria da Literatura
EXERCÍCIOS:
(FUVEST)
Só os roçados da morte
compensam aqui cultivar,
e cultivá-los é fácil:
simples questão de plantar;
não se precisa de limpa,
de adubar nem de regar;
as estiagens e as pragas
fazem-nos mais prosperar;
e dão lucro imediato;
nem é preciso esperar
pela colheita: recebe-se
na hora mesma de semear.
(João Cabral de Melo Neto,
Morte e vida severina)
Nos versos acima, a personagem da “rezadora” fala das vantagens de sua profissão
e de outras semelhantes. A seqüência de imagens neles presente tem como
pressuposto imediato a ideia de:
a) sepultamento dos mortos.
b) dificuldade de plantio na seca.
c) escassez de mão-de-obra no sertão.
d) necessidade de melhores contratos de trabalho.
e) técnicas agrícolas adequadas ao sertão.
2. (FUVEST-SP)
Decerto a gente daqui
jamais envelhece aos trinta
nem sabe da morte em vida,
vida em morte, severina; (João Cabral de Melo Neto,
Morte e
vida severina)
Neste excerto, a personagem do “retirante” exprime uma concepção da “morte e
vida severina”, ideia central da obra, que aparece em seu próprio título. Tal
como foi expressa no excerto, essa concepção só NÃO encontra correspondência
em:
a)
“morre gente que nem vivia”.
b)
“meu próprio enterro eu seguia”.
c)
“o enterro espera na porta:
o morto ainda está com vida”.
d)
“vêm é seguindo seu próprio enterro”.
e) “essa foi morte morrida
ou foi matada?”.
3. (FEI-SP) Leia o texto com atenção e responda à questão.
— O meu nome é Severino
não tenho outro de pia.
Como há muitos Severinos,
que é santo de romaria,
deram então de me chamar
Severino de Maria;
como há muitos Severinos
com mães chamadas Maria,
fiquei sendo o da Maria
do finado Zacarias.
Mas isso ainda diz pouco:
há muito na freguesia,
por causa de um coronel
que se chamou Zacarias
e que foi o mais antigo
senhor desta sesmaria.
Como então dizer quem fala
ora a Vossas Senhorias?
Vejamos: é o Severino
da Maria do Zacarias,
lá da Serra da Costela,
limites da Paraíba.
Mas isso ainda diz pouco:
se ao menos mais cinco havia
com nome de Severino
filhos de tantas Marias
mulheres de outros tantos,
já finados, Zacarias,
vivendo na mesma serra
magra e ossuda em que eu vivia.
Somos muitos Severinos
iguais em tudo na vida:
na mesma cabeça grande
que a custo é que se equilibra,
no mesmo ventre crescido
sobre as mesmas pernas finas,
e iguais também porque o sangue
que usamos tem pouca tinta.
E se somos Severinos
iguais em tudo na vida,
morremos de morte igual,
mesma morte severina:
que é a morte de que se morre
de velhice antes dos trinta,
de emboscada antes dos vinte,
de fome um pouco por dia
(de fraqueza e de doença
é que a morte severina
ataca em qualquer idade,
e até gente não nascida).
(João Cabral de Melo Neto,
Morte e Vida Severina)
É possível identificar nesse excerto características:
a) regionalistas, uma vez que há elementos do sertão brasileiro.
b) vanguardistas, pois o tratamento dispensado à linguagem é absolutamente
original.
c) existencialistas, pois há a preocupação em revelar a sensação de vazio do
homem do sertão.
d) naturalistas, porque identifica-se em Severino as características típicas do
herói do século XIX.
e) surrealistas, já que existe uma apelação ao onírico e ao fantástico.
4. (CEFET) Assinale a alternativa INCORRETA sobre “
Morte e Vida
Severina”:
a) Apesar das dificuldades que se anunciam para o filho do Seu José, a
perspectiva do final do poema é positiva em relação à vida.
b) Existe no poema um grande contraste causado pelo nascimento do filho do Seu
José em relação à figura da morte, presente em toda a obra.
c) O adjetivo Severina, do título, tanto se refere ao nome do personagem
central como às condições severas em que ele, como tantos outros, vive.
d) A indicação auto de natal não se refere somente ao sentido de religiosidade,
mas também à aceitação do poder de renovação que existe na própria natureza.
e) Como em muitas outras obras de tendência regionalista, o tema central do
poema é a seca nordestina e a miséria por ela criada.
5. (CEFET) Leia as seguintes afirmações sobre
Morte e Vida
Severina:
I) O nascimento do filho do compadre José é antagônico em relação aos outros
fatos apresentados na obra, já que esses são marcados pela morte.
II) Podemos dizer que o conteúdo é completamente pessimista, considerando-se
que a jornada é marcada pela tragédia da seca, o que leva Severino à tentativa
de suicídio.
III) Mais do que a seca, as desigualdades sociais do Nordeste são o tema da
obra.
Assinale a alternativa correta sobre as afirmações:
a) Somente I e II estão corretas.
b) Somente I e III estão corretas.
c) Somente II e III estão corretas.
d) As três estão corretas.
e) As três estão incorretas.
6. (POLI) O trecho abaixo é um fragmento de Morte e vida severina,
poema escrito por João Cabral de Melo Neto. O poema conta a história de
Severino, um retirante que foge da seca, saindo dos confins da Paraíba para
chegar ao litoral de Pernambuco (Recife). Lá, o retirante acredita que irá
encontrar melhores condições de vida. Este excerto (trecho) conta o momento em
que, no final de sua caminhada, Severino chega ao litoral. Mas, mesmo ali,
encontra apenas sinais de morte, como quando estava no sertão. Completamente
desacreditado, sugere a um morador da região que pretende o suicídio. Então,
inicia com ele uma discussão. Acompanhe:
"- Seu José, mestre Carpina
Para cobrir corpo de homem
Não é preciso muita água.
Basta que chegue ao abdômen
Basta que tenha fundura igual a de sua fome.
- Severino retirante,
O mar de nossa conversa
Precisa ser combatido
Sempre, de qualquer maneira.
Porque senão ele alaga e destrói a terra inteira.
- Seu José, mestre Carpina,
Em que nos faz diferença
Que como frieira se alastre,
Ou como rio na cheia
Se acabamos naufragados
num braço do mar da miséria?"
(trecho tirado de teatro representado no Tuca)
O argumento central de Severino para defender sua intenção de suicidar-se é:
a) o de que o rio, tendo fundura suficiente, será o melhor meio, naquela
situação, para conseguir seu intento.
b) o de que não é possível lutar com as mãos, já que as mãos não podem conter a
água que se alastra.
c) o de que não é possível conter o mar daquela conversa, dada sua extensão e
volume.
d) o de que a miséria, entendida como mar, irá naufragar mesmo a todos,
independentemente do que se faça.
e) o de que abandonando as mãos para trás será mais fácil afogar-se, já que não
poderá nadar.
7. (IBMEC) Utilize o texto abaixo, fragmento de Morte e
vida Severina, de João Cabral de Melo Neto, para responder o teste.
O RETIRANTE EXPLICA AO LEITOR QUEM É E A QUE VAI
— O meu nome é Severino,
não tenho outro de pia.
Como há muitos Severinos,
que é santo de romaria.
Deram então de me chamar
Severino de Maria;
como há muitos Severinos
com mães chamadas Maria,
fiquei sendo o da Maria
do finado Zacarias. 10
Mas isso ainda diz pouco:
há muitos na freguesia,
por causa de um coronel
que se chamou Zacarias
e que foi o mais antigo
senhor desta sesmaria.
Como então dizer quem fala
Ora a Vossas Senhorias?
Vejamos: é o Severino
da Maria do Zacarias,
lá da serra da Costela,
limites da Paraíba.
(CAMPESTRINI, Hildebrando. Literatura Brasileira. São Paulo: FTD,
1989, p. 197-8)
Assinale a alternativa incorreta com relação ao texto de João Cabral de Melo
Neto:
a) A expressão “pia”(segundo verso) refere-se à pia batismal e traz o sentido
de que o personagem não tem outro nome de batismo.
b) A filiação paterna, a partir do nome Zacarias, não constitui ponto de
referência para o personagem.
c) O personagem não foi batizado por ser santo de romaria e ter a
paternidade desconhecida.
d) A expressão “senhor desta sesmaria” refere-se a posse de terras.
e) Fazendo uso do pronome de tratamento “Vossas Senhorias”, o personagem coloca
o interlocutor numa posição hierarquicamente superior.
8. (FUVEST) É correto afirmar que, em Morte e Vida Severina:
a) A alternância das falas de ricos e de pobres, em contraste, imprime à
dinâmica geral do poema o ritmo da luta de classes.
b) A visão do mar aberto, quando Severino finalmente chega ao Recife,
representa para o retirante a primeira afirmação da vida contra a morte.
c) O caráter de afirmação da vida, apesar de toda a miséria, comprova-se pela
ausência da ideia de suicídio.
d) As falas finais do retirante, após o nascimento de seu filho, configuram o
“momento afirmativo”, por excelência, do poema.
e) A viagem do retirante, que atravessa ambientes menos e mais hostis,
mostra-lhe que a miséria é a mesma, apesar dessas variações do meio
físico.
9. (FUVEST) É correto afirmar que no poema dramático Morte
e Vida Severina, de João Cabral de Melo Neto:
a) A sucessão de frustrações vividas por Severino faz dele um exemplo típico de
herói moderno, cuja tragicidade se expressa na rejeição à cultura a que
pertence.
b) A cena inicial e a final dialogam de modo a indicar que, no retorno à terra
de origem, o retirante estará munido das convicções religiosas que adquiriu com
o mestre carpina.
c) O destino que as ciganas prevêem para o recém-nascido é o mesmo que Severino
já cumprira ao longo de sua vida, marcada pela seca, pela falta de trabalho e
pela retirada.
d) O poeta buscou exprimir um aspecto da vida nordestina no estilo dos autos
medievais, valendo-se da retórica e da moralidade religiosa que os
caracterizam.
e) O “auto de natal” acaba por definir-se não exatamente num sentido
religioso, mas enquanto reconhecimento da força afirmativa e renovadora
que está na própria natureza.
10. (PUCCamp) A leitura integral de Morte e Vida Severina,
de João Cabral de Melo Neto, permite a correta compreensão do título desse
“auto de natal pernambucano”:
a) Tal como nos Evangelhos, o nascimento do filho de Seu José anuncia um novo
tempo, no qual aexperiência do sacrifício representa a graça da vida eterna
para tantos “severinos”.
b) Invertendo a ordem dos dois fatos capitais da vida humana, mostra-nos o
poeta que, na condição “severina”, a morte é a única e verdadeira libertação.
c) O poeta dramatiza a trajetória de Severino, usando o seu nome como adjetivo
para qualificar asublimação religiosa que consola os migrantes nordestinos.
d) Severino, em sua migração, penitencia-se de suas faltas, e encontra o
sentido da vida na confissão finalque faz a Seu José, mestre capina.
e) O poema narra as muitas experiências da morte, testemunhadas pelo
migrantes, mas culmina com a cena de um nascimento, signo resistente da vida
nas mais ingratas condições.
11. (UEL) Em Morte e Vida Severina, de João
Cabral de Melo Neto, a palavra "severino(a)" apresenta-se como
substantivo próprio, substantivo comum e adjetivo. Tal fato ocorre porque,
nessa obra, a palavra "severino(a)":
a) Designa aquele que fala, além de outras personagens que, em virtude das
dificuldades impostas pela vida, caracterizam-se por assumir a disciplina como
norma de conduta. O termo qualifica a existência como permanente cuidado de não
se expor a repreensões e censuras.
b) Designa a individualidade austera do protagonista e a individualidade
flexível de outros homens e mulheres escorraçados do sertão pela seca. O termo
qualifica a existência como busca constante de superação das dificuldades.
c) Designa o protagonista como ser inflexível, bem como outros retirantes que
também se caracterizam pela rigidez diante da vida. O termo qualifica a
existência como possibilidade de impor condições com rigor.
d) Designa aquele que fala, além de outros homens e mulheres que se
caracterizam pelo rigor consigo mesmos e com os outros. O termo qualifica a
existência humana como marcada pela austeridade nas opiniões.
e) Designa aquele que fala, o protagonista do auto, bem como os retirantes
que, como ele, foram escorraçados do sertão pela seca e da terra pelo
latifúndio. O termo qualifica a existência como realidade dura, áspera.
12. (UFOP) A partir da leitura de
Morte e vida severina, de João Cabral de Melo Neto, é correto afirmar que:
a) trata-se de um texto exclusivamente narrativo, uma vez que traz o relato dos
episódios de uma viagem da personagem Severino do sertão até o mar.
b) trata-se de um texto exclusivamente dramático, uma vez que é composto de
falas das personagens, além de comportar rubricas com marcações cênicas bastante
nítidas.
c) trata-se de um texto exclusivamente lírico, uma vez que apresenta o discurso
individual de Severino, que fala de si todo o tempo.
d) trata-se de um texto cuja classificação é de tragédia pura e simples.
e) trata-se de um texto cujo gênero é múltiplo, por não se prender
exclusivamente a nenhum.
13. (UFOP) A respeito de Morte e
vida severina, de João Cabral de Melo Neto, é incorreto dizer que:
a) a mudança de categoria gramatical (substantivo / adjetivo) do nome Severino
/ Severina corresponde certamente a uma mudança na categoria social do
protagonista.
b) Morte e vida severina poderia intitular-se Vida e morte severina pelo
desenvolvimento da narrativa.
c) o texto adquire dimensões universais, por ampliar significativamente o drama
dos desvalidos, apesar de apresentar um tema eminentemente regional.
d) uma sensível diferença existe no ritmo da narrativa: o da viagem, lento e
arrastado, correspondendo à morte, e o do auto natalino, mais leve e ágil,
correspondendo à vida.
e) as formas discursivas presentes no texto são diversas, notadamente os
monólogos, diálogos, lamentos e elogios.
14. (UNIOESTE) Em relação à peça Morte e Vida Severina, de João
Cabral de Melo Neto, todas as afirmativas abaixo são válidas, EXCETO
A) O fato em Morte e Vida
Severina que comprova o
subtítulo “auto de Natal” do poema-peça é o nascimento de um menino. B) Em Morte e Vida Severina, João
Cabral de Melo Neto apresenta uma atitude de resignação e conformismo ante as
desgraças e desesperos dos muitos Severinos.
C) O êxodo do sertão em busca do litoral não é uma solução para o retirante,
pois na cidade grande encontra sempre a mesma morte severina, como revelam os
dois coveiros.
D) Na cidade grande, quando não encontra uma morte severina, tem que levar uma
vida severina, vivendo no meio da lama, comendo os siris que apanha em mocambos
infectos.
E) A problemática apresentada em Morte
e Vida Severina é basicamente
de caráter social e envolve a caótica e degradante situação do homem
nordestino, vitimado pelas secas, pela fome e pela miséria.
Questão 15 : O
excerto seguinte, extraído do poema Morte e vida severina, foi musicado por
Chico Buarque de
Holanda. Leia-o,
atenciosamente; a seguir, assinale a alternativa em que os fragmentos,
considerados no
contexto global do excerto, NÃO traduzem
ideias semelhantes àquelas
encerradas nos
versos em destaque:
Essa cova em que
estás,
com palmos medida,
é a conta menor
que tiraste em
vida.
É de bom tamanho,
nem largo nem
fundo,
é a parte que te
cabe
deste latifúndio.
Não é cova grande,
é cova medida,
é a terra que
querias
ver dividida.
É uma cova grande
para teu pouco
defunto,
mas estarás mais
ancho
que estavas no
mundo.
É uma cova grande,
para teu defunto parco,
porém mais que no
mundo
te sentirás largo.
MELO NETO, J. Cabral. Morte e vida
severina. Rio de Janeiro: Objetiva, 2007. p. 108.
a) “Aí ficarás
para sempre,
livre do sol e da
chuva,
criando tuas
saúvas.”
b) “Trabalharás
uma terra
da qual, além de
senhor,
serás homem de
eito e trator.”
c) “De tanto te
despiu a privação
que escapou de teu
peito a viração.”
d) “E agora, se
abre o chão e te abriga,
lençol que não
tiveste em vida.”
e) “Se abre o chão
e te envolve,
como mulher com
quem se dorme.”
Questão 16: Acerca
da obra, como um todo, assinale a afirmação VERDADEIRA.
a) Severino emigra
do sertão para o Recife porque nunca foi um homem afeito às agruras da vida
sertaneja.
b) Na zona da
mata, apesar de condições climáticas mais favoráveis, a situação não é muito
diferente daquela
que Severino
deixou para trás.
c) O que motivou
Severino a emigrar para o Recife foram as grandes ilusões que ele nutria em
relação à capital
pernambucana.
d) No desfecho, as
duas ciganas vaticinam destinos completamente diferentes para a criança
recém-nascida:
uma prevê riqueza;
a outra, miséria.
e) O mestre
carpina, com sua visão pessimista da vida, é mais um fator a contribuir para
que Severino se decida
pelo suicídio.
Morte e Vida Severina
João Cabral de Melo Neto
Roteiro de Leitura
Carlos
Rogério D. Barreiros
UM AUTO
DE NATAL PERNAMBUCANO
Morte e Vida
Severina é a narrativa em versos da
viagem que o retirante Severino faz de sua terra — a serra da Costela, nos
limites da Paraíba — até Recife, seguindo o curso do rio Capibaribe.
Chamada auto pelo próprio autor, assemelha-se às
composições de caráter religioso ou moral dos séculos XV e XVI, cuja
representação teve origem nos Presépios,
encenações do nascimento de Cristo, típicas também em Pernambuco, estado em que
corre a obra de João Cabral de Melo Neto. Os versos que compõem a narrativa são
predominantemente redondilhas e não apresentam estrutura rítmica regular.
Divide-se o texto em dezoito quadros — cujos títulos são uma pequena síntese do
que será lido adiante. Os nove primeiros retratam o curso da viagem de Severino
a Recife; os outros, suas experiências na cidade que tanto esperava.
No primeiro
quadro, o retirante explica ao leitor quem é e a que vai, mas se depara logo de
início com uma dificuldade: como poderá identificar-se, se há tantos Severinos
iguais a ele, com mães e pais cujos nomes também são extremamente comuns?
Como há muitos Severinos
que é santo de romaria,
deram então de me chamar
Severino de Maria;
como há muitos Severinos
com mães chamadas Maria,
fiquei sendo o da Maria
do finado Zacarias.
Mas isso ainda diz pouco:
há muitos na freguesia,
por causa de um coronel
que se chamou Zacarias
e que foi o mais antigo
senhor desta sesmaria.
Nota-se a
despersonalização do protagonista, que ele mesmo reafirma, logo depois:
Somos muitos Severinos
iguais em tudo nesta vida:
na mesma cabeça grande
que a custo é que se equilibra,
no mesmo ventre crescido
sobre as mesmas pernas finas,
e iguais também porque o sangue
que usamos tem pouca tinta.
Se se assemelha a
outros tantos Severinos fisicamente, também será igual a eles na morte severina, que explica ou condensa parte
do título:
morremos de morte igual,
mesma morte severina:
que é a morte de que se morre
de velhice antes dos trinta,
de emboscada antes dos vinte,
de fome um pouco por dia
(de fraqueza e de doença
é que a morte severina
ataca em qualquer idade,
e até gente não nascida).
A morte ocasionada
pelas injustiças sociais — de velhice
antes dos trinta e de fome um pouco por dia — ou pela violência
do sertão
— de emboscada
antes dos vinte — é a mesma para todos os Severinos, fadados a ela desde o dia
em que nascem. Para a compreensão do texto, é essencial a compreensão do
binômio morte/vida: repare que a
narrativa, iniciada com um comentário sobre
a morte comum a
todos os retirantes do sertão, é terminada com um nascimento — a explosão da
vida, mesmo que Severina.
Depois de se
apresentar e convidar os leitores — tratados respeitosamente por Vossas
Senhorias — a acompanhá-lo em sua jornada até o Recife, o retirante encontra dois homens carregando um defunto
numa rede, aos gritos de: “ó irmãos das almas!
Irmãos das almas!
Não fui eu que matei não!”. É a segunda morte com que Severino se depara: o
defunto carregado morreu de
morte matada por ter alguns hectares de terra,
evidenciando, mais uma vez, a violência que é
causa mortis no sertão:
— E era grande sua lavoura,
irmãos das almas,
lavoura de muitas covas,
tão cobiçada?
— Tinha somente dez quadras,
irmão das almas,
todas nos ombros da serra,
nenhuma várzea.
— Mas então por que o mataram,
irmãos das almas,
mas então por que o mataram
com espingarda?
— Queria mais espalhar-se,
mas então por que o mataram
com espingarda?
— Queria mais espalhar-se,
irmão das almas,
queria voar mais livre
essa ave-bala.
O diálogo tem o
vocativo irmão das almas no segundo verso, criando uma ladainha. A ave-bala é a
metáfora da violência praticada pelos grandes proprietários, que deixará a semente de chumbo guardada no cadáver. Severino propõe-se a
ajudar os irmãos dasalmas a carregá-lo.
No terceiro
quadro, o retirante tem medo de se extraviar porque seu guia, o rio Capibaribe,
cortou com o verão, ou seja, secou. Compara-se o trajeto até Recife com um
rosário cujas contas são as vilas e cidades e cuja linha é o rio: o retirante
sabe que deve rezá-lo até que o rio encontre o mar, mas não é fácil porque
entre uma conta e outra conta,
entre uma e outra ave-maria,
há certas paragens brancas,
de plantas e bichos vazias,
vazias até de donos,
e onde o pé se descaminha.
Desorientado, ouve
um canto distante em uma casa, onde se cantam excelências para um defunto,
enquanto um homem, do lado de fora, vai parodiando as palavras dos cantadores:
é mais uma morte no caminho do retirante. A paródia do homem fala das coisas de
não, como se a morte severina — o defunto, curiosamente, chama-se Severino —
fosse negação absoluta do que é vida:
— Finado Severino,
quando passares em Jordão
e os demônios te atalharem
perguntando o que é que levas...
— Dize que levas cera,
capuz e cordão
mais a Virgem da Conceição.
(...)
— Dize que levas somente
coisas de não:
fome, sede, privação.
(...)
— Dize que coisas de não,
ocas, leves:
como o caixão, que ainda deves
No quinto quadro,
o retirante questiona-se sobre a vida e sobre a morte: talvez seja prudente
parar naquele lugar para procurar
trabalho.
— Desde que estou retirando
só a morte vejo ativa,
só a morte deparei
e às vezes até festiva;
só morte tem encontrado
quem pensava encontrar vida,
e o pouco que não foi morte
foi de vida severina
(aquela vida que é menos
vivida que defendida,
e é ainda mais severina
para o homem que retira).
Cansado do
encontro com a morte, o retirante afirma que a pouca vida que encontrou era,
também, severina. Note o jogo feito com a palavra severino, diminutivo do
adjetivo severo: a vida e a morte são o mesmo, severas — porque a primeira é
assolada pela segunda — e anônimas, como insinuou o próprio retirante no início
da narrativa.
No sexto quadro,
dirige-se à mulher na janela, que talvez lhe pudesse dar notícia de algum
trabalho. No entanto, tudo que se faz naquele lugar está relacionado à morte:
ela é a rezadora titular dos defuntos de toda a região. Mesmo que Severino
saiba lavrar, arar,tratar de gado, cozinhar ou tratar de moenda, pouco poderá
fazer ali:
— Como aqui a morte é tanta,
só é possível trabalhar
nessas profissões que fazem
da morte ofício ou bazar.
A morte atrai moradores do litoral, interessados em
ganhar
dinheiro. São os retirantes às avessas:
Imagine que outra gente
de profissão similar,
farmacêuticos, coveiros,
doutor de anel no anular,
remando contra a corrente
da gente que baixa ao mar,
retirante às avessas,
sobem do mar para cá.
Comparam-se os
trabalhos que são feitos na terra com os ofícios que a morte exige. Ela é mais
lucrativa e menos trabalhosa, pois no “cultivo da morte” as pragas e estiagens
são aproveitáveis:
Só os roçados da morte
compensam aqui cultivar,
e cultivá-los é fácil:
simples questão de plantar;
não se precisa de limpar,
de adubar nem de regar;
as estiagens e as pragas
fazem-nos mais prosperar;
e dão lucro imediato;
nem é preciso esperar
pela colheita: recebe-se
na hora mesma de semear.
A zona da mata,
que parecia tão encantadora no sétimo quadro, será tão dura quanto o sertão,
quando Severino assistir ao enterro de um trabalhador.
Se naquela terra
mais branda e
macia/ quanto mais do litoral/ a viagem se aproxima a vida
não era tão áspera, parece óbvio ao retirante que ali
não é preciso trabalhar
todas as horas do dia,
os dias todos do mês,
os meses todos da vida.
No entanto, no
enterro do oitavo quadro observa-se que a morte ainda se faz presente, mesmo em
terra tão rica e fértil. É o trecho mais famoso do poema:
— Essa cova em que estás,
com palmos medida,
é a conta menor
que tiraste em vida.
— É de bom tamanho,
nem largo nem fundo,
é a parte que te cabe
deste latifúndio.
— Não é cova grande,
é cova medida,
é a terra que querias
ver dividida.
— É uma cova grande
para teu defunto parco,
porém mais que no mundo
te sentirás largo.
— É uma cova grande
para tua carne pouca,
mas a terra dada
não se abre a boca.
Ao defunto cabe
calar-se por ter recebido terra de graça. Ciente de que a vida e a morte na
serra, onde nasceu, na caatinga e na zona da mata é exatamente a mesma,
Severino afirma que o que o levou a retirar-se não foi a cobiça, mas a vontade
de estender a vida, já que havia conseguido alcançar os vinte anos. Assim,
apressa o passo,
reza a última ave-maria — isto é, atravessa a última cidade — do rosário no
nono quadro e chega a Recife no décimo, em que, sentado para descansar, ouve a
conversa de dois coveiros. Um deles trabalha em Santo Amaro, e por isso é invejado
pelo outro, empregado da Casa Amarela, cemitério dos retirantes, dos pobres e
dos miseráveis. Ambos não entendem os retirantes:
— Eu também, antigamente,
fui do subúrbio dos indigentes,
e uma coisa notei
que jamais entenderei:
essa gente do Sertão
que desce para o litoral, sem razão,
fica vivendo no meio da lama,
comendo os siris que apanha;
pois bem: quando a sua morte chega,
temos de enterrá-los em terra seca.
(...)
— Mas o que se vê não é isso:
é sempre nosso serviço
crescendo mais cada dia;
morre gente que nem vivia.
— E esse povo lá de riba
de Pernambuco, da Paraíba,
que vem buscar no Recife
pode morrer de velhice,
encontra só, aqui chegando
cemitérios esperando.
— Não é viagem o que fazem
vindo por essas caatingas, vargens;
aí está seu erro:
vêm é seguindo seu próprio enterro.
A ideia de que a
jornada até Recife era, na verdade, seu próprio
funeral desanima
Severino. O décimo primeiro quadro é um
monólogo em que a ideia
do suicídio, à beira do mar, em um
cais do rio
Capibaribe, é sugerida:
A solução é apressar
a morte a que se decida
e pedir a este rio,
que vem também lá de cima,
que me faça aquele enterro
que o coveiro descrevia.
O mestre José,
carpinteiro, — não por acaso, homônimo do pai de Cristo — morador de um dos
mocambos que existem entre o cais e a água do rio, surge no décimo segundo
quadro para ser questionado por Severino: que valor tem a vida, se Severina até
a morte? José é categórico:
— Severino, retirante,
muita diferença faz
entre lutar com as mãos
e abandoná-las para trás,
porque ao menos esse mar
não pode adiantar-se mais.
O mar citado acima
é a miséria que se agiganta cada dia mais sobre os tantos severinos, mas o
mestre não pensa que é necessário dobrar-se a ele. Depois de uma série de
perguntas, o retirante finalmente expõe sua verdadeira intenção:
— Seu José, mestre carpina,
que diferença faria
se em vez de continuar
tomasse a melhor saída:
a de saltar, numa noite,
fora da ponte e da vida?
Subitamente, no
décimo terceiro quadro, uma mulher, da porta de onde saiu o homem,
anuncia-lhe que nasceu seu filho:
Saltou para dentro da vida
ao dar seu primeiro grito;
e estais aí conversando;
pois sabei que ele é nascido.
É a resposta ao
que Severino havia acabado de perguntar: enquanto pensava em saltar fora da
vida, salta-lhe quase ao colo o filho do mestre. O décimo quarto quadro é todo
de louvor ao nascido; vizinhos, amigos e duas ciganas cantam lhe a vida:
— Todo céu e a terra
lhe cantam louvor
e cada casa se torna
num mocambo sedutor.
— Cada casebre se torna
no mocambo modelar
que tanto celebram os
sociólogos do lugar.
Mesmo miseráveis,
os visitantes presenteiam a criança. Cadaum dá o que pode, cobrindo o pequeno
de elogios e
esperanças:
— Minha pobreza tal é
que não tenho presente melhor:
trago papel de jornal
para lhe servir de cobertor;
cobrindo-lhe assim de letras
vai um dia ser doutor.
O ambiente otimista é quebrado por uma das ciganas, que
anuncia como inevitável o destino do filho de José:
Cedo aprenderá a caçar:
primeiro, com as galinhas,
que é catando pelo chão
tudo o que cheira a comida;
depois, aprenderá com
outras espécies de bichos:
com os porcos nos monturos,
com os cachorros no lixo.
A vida do garoto
será semelhante à de um animal. No entanto,a outra cigana enxerga um futuro
melhor, ainda que sofrido:
Não o vejo dentro dos mangues,
vejo-o dentro de uma fábrica:
se está negro não é lama,
é graxa de sua máquina,
coisa mais limpa que a lama
do pescador de maré
que vemos aqui, vestido
de lama da cara ao pé.
No décimo sétimo
quadro, a criança é elogiada pelos visitantes, que a identificam com o sim —
que se opõe às coisas de não
— e com o novo:
— De sua formosura
deixai-me que diga:
tão belo como um sim
numa sala negativa.
(...)
— Belo porque tem do novo
A surpresa e a alegria.
— Belo como a coisa nova
na prateleira até então vazia.
(...)
— E belo porque com o novo
todo o velho contagia.
O último quadro
está reproduzido integralmente abaixo: O Carpina fala com o retirante que
esteve de fora,
sem tomar parte em
nada
— Severino retirante,
deixe agora que lhe diga:
eu não sei bem a resposta
da pergunta que fazia,
se não vale mais saltar
fora da ponte e da vida;
nem conheço essa resposta,
se quer mesmo que lhe diga;
é difícil defender,
só com palavras, a vida,
ainda mais quando ela é
esta que vê, severina;
mas se responder não pude
à pergunta que fazia,
ela, a vida, a respondeu
com sua presença viva.
E não há melhor resposta
que o espetáculo da vida:
vê-la desfiar seu fio,
que também se chama vida,
ver a fábrica que ela mesma,
teimosamente, se fabrica,
vê-la brotar como há pouco
em nova vida explodida;
mesmo quando é assim pequena
a explosão, como a ocorrida;
mesmo quando é uma explosão
como a de há pouco, franzina;
mesmo quando é a explosão
de uma vida severina.
Mesmo que não se
considere apto a responder a pergunta de Severino, José afirma que a explosão
da vida de seu filho, que ambos puderam apreciar, era a alternativa: mesmo com
as mazelas, a vida deve ser vivida, mesmo que seja severina.
EXERCÍCIOS:
(FUVEST)
Só os roçados da morte
compensam aqui cultivar,
e cultivá-los é fácil:
simples questão de plantar;
não se precisa de limpa,
de adubar nem de regar;
as estiagens e as pragas
fazem-nos mais prosperar;
e dão lucro imediato;
nem é preciso esperar
pela colheita: recebe-se
na hora mesma de semear.
(João Cabral de Melo Neto, Morte e vida severina)
Nos versos acima, a personagem da “rezadora” fala das vantagens de sua profissão
e de outras semelhantes. A seqüência de imagens neles presente tem como
pressuposto imediato a idéia de:
a) sepultamento dos mortos.
b) dificuldade de plantio na seca.
c) escassez de mão-de-obra no sertão.
d) necessidade de melhores contratos de trabalho.
e) técnicas agrícolas adequadas ao sertão.
2. (FUVEST-SP)
Decerto a gente daqui
jamais envelhece aos trinta
nem sabe da morte em vida,
vida em morte, severina; (João Cabral de Melo Neto, Morte e
vida severina)
Neste excerto, a personagem do “retirante” exprime uma concepção da “morte e
vida severina”, idéia central da obra, que aparece em seu próprio título. Tal
como foi expressa no excerto, essa concepção só NÃO encontra correspondência
em:
a) “morre gente que nem vivia”.
b) “meu próprio enterro eu seguia”.
c) “o enterro espera na porta:
o morto ainda está com vida”.
d) “vêm é seguindo seu próprio enterro”.
e) “essa foi morte morrida
ou foi matada?”.
3. (FEI-SP) Leia o texto com atenção e responda à questão.
— O meu nome é Severino
não tenho outro de pia.
Como há muitos Severinos,
que é santo de romaria,
deram então de me chamar
Severino de Maria;
como há muitos Severinos
com mães chamadas Maria,
fiquei sendo o da Maria
do finado Zacarias.
Mas isso ainda diz pouco:
há muito na freguesia,
por causa de um coronel
que se chamou Zacarias
e que foi o mais antigo
senhor desta sesmaria.
Como então dizer quem fala
ora a Vossas Senhorias?
Vejamos: é o Severino
da Maria do Zacarias,
lá da Serra da Costela,
limites da Paraíba.
Mas isso ainda diz pouco:
se ao menos mais cinco havia
com nome de Severino
filhos de tantas Marias
mulheres de outros tantos,
já finados, Zacarias,
vivendo na mesma serra
magra e ossuda em que eu vivia.
Somos muitos Severinos
iguais em tudo na vida:
na mesma cabeça grande
que a custo é que se equilibra,
no mesmo ventre crescido
sobre as mesmas pernas finas,
e iguais também porque o sangue
que usamos tem pouca tinta.
E se somos Severinos
iguais em tudo na vida,
morremos de morte igual,
mesma morte severina:
que é a morte de que se morre
de velhice antes dos trinta,
de emboscada antes dos vinte,
de fome um pouco por dia
(de fraqueza e de doença
é que a morte severina
ataca em qualquer idade,
e até gente não nascida).
(João Cabral de Melo Neto, Morte e Vida Severina)
É possível identificar nesse excerto características:
a) regionalistas, uma vez que há elementos do sertão brasileiro.
b) vanguardistas, pois o tratamento dispensado à linguagem é absolutamente
original.
c) existencialistas, pois há a preocupação em revelar a sensação de vazio do
homem do sertão.
d) naturalistas, porque identifica-se em Severino as características típicas do
herói do século XIX.
e) surrealistas, já que existe uma apelação ao onírico e ao fantástico.
4. (CEFET) Assinale a alternativa INCORRETA sobre “Morte e Vida
Severina”:
a) Apesar das dificuldades que se anunciam para o filho do Seu José, a
perspectiva do final do poema é positiva em relação à vida.
b) Existe no poema um grande contraste causado pelo nascimento do filho do Seu
José em relação à figura da morte, presente em toda a obra.
c) O adjetivo Severina, do título, tanto se refere ao nome do personagem
central como às condições severas em que ele, como tantos outros, vive.
d) A indicação auto de natal não se refere somente ao sentido de religiosidade,
mas também à aceitação do poder de renovação que existe na própria natureza.
e) Como em muitas outras obras de tendência regionalista, o tema central do
poema é a seca nordestina e a miséria por ela criada.
5. (CEFET) Leia as seguintes afirmações sobre Morte e Vida
Severina:
I) O nascimento do filho do compadre José é antagônico em relação aos outros
fatos apresentados na obra, já que esses são marcados pela morte.
II) Podemos dizer que o conteúdo é completamente pessimista, considerando-se
que a jornada é marcada pela tragédia da seca, o que leva Severino à tentativa
de suicídio.
III) Mais do que a seca, as desigualdades sociais do Nordeste são o tema da
obra.
Assinale a alternativa correta sobre as afirmações:
a) Somente I e II estão corretas.
b) Somente I e III estão corretas.
c) Somente II e III estão corretas.
d) As três estão corretas.
e) As três estão incorretas.
6. (POLI) O trecho abaixo é um fragmento de Morte e vida severina,
poema escrito por João Cabral de Melo Neto. O poema conta a história de
Severino, um retirante que foge da seca, saindo dos confins da Paraíba para
chegar ao litoral de Pernambuco (Recife). Lá, o retirante acredita que irá
encontrar melhores condições de vida. Este excerto (trecho) conta o momento em
que, no final de sua caminhada, Severino chega ao litoral. Mas, mesmo ali,
encontra apenas sinais de morte, como quando estava no sertão. Completamente
desacreditado, sugere a um morador da região que pretende o suicídio. Então,
inicia com ele uma discussão. Acompanhe:
"- Seu José, mestre Carpina
Para cobrir corpo de homem
Não é preciso muita água.
Basta que chegue ao abdômen
Basta que tenha fundura igual a de sua fome.
- Severino retirante,
O mar de nossa conversa
Precisa ser combatido
Sempre, de qualquer maneira.
Porque senão ele alaga e destrói a terra inteira.
- Seu José, mestre Carpina,
Em que nos faz diferença
Que como frieira se alastre,
Ou como rio na cheia
Se acabamos naufragados
num braço do mar da miséria?"
(trecho tirado de teatro representado no Tuca)
O argumento central de Severino para defender sua intenção de suicidar-se é:
a) o de que o rio, tendo fundura suficiente, será o melhor meio, naquela
situação, para conseguir seu intento.
b) o de que não é possível lutar com as mãos, já que as mãos não podem conter a
água que se alastra.
c) o de que não é possível conter o mar daquela conversa, dada sua extensão e
volume.
d) o de que a miséria, entendida como mar, irá naufragar mesmo a todos,
independentemente do que se faça.
e) o de que abandonando as mãos para trás será mais fácil afogar-se, já que não
poderá nadar.
7. (IBMEC) Utilize o texto abaixo, fragmento de Morte e
vida Severina, de João Cabral de Melo Neto, para responder o teste.
O RETIRANTE EXPLICA AO LEITOR QUEM É E A QUE VAI
— O meu nome é Severino,
não tenho outro de pia.
Como há muitos Severinos,
que é santo de romaria.
Deram então de me chamar
Severino de Maria;
como há muitos Severinos
com mães chamadas Maria,
fiquei sendo o da Maria
do finado Zacarias. 10
Mas isso ainda diz pouco:
há muitos na freguesia,
por causa de um coronel
que se chamou Zacarias
e que foi o mais antigo
senhor desta sesmaria.
Como então dizer quem fala
Ora a Vossas Senhorias?
Vejamos: é o Severino
da Maria do Zacarias,
lá da serra da Costela,
limites da Paraíba.
(CAMPESTRINI, Hildebrando. Literatura Brasileira. São Paulo: FTD,
1989, p. 197-8)
Assinale a alternativa incorreta com relação ao texto de João Cabral de Melo
Neto:
a) A expressão “pia”(segundo verso) refere-se à pia batismal e traz o sentido
de que o personagem não tem outro nome de batismo.
b) A filiação paterna, a partir do nome Zacarias, não constitui ponto de
referência para o personagem.
c) O personagem não foi batizado por ser santo de romaria e ter a
paternidade desconhecida.
d) A expressão “senhor desta sesmaria” refere-se a posse de terras.
e) Fazendo uso do pronome de tratamento “Vossas Senhorias”, o personagem coloca
o interlocutor numa posição hierarquicamente superior.
8. (FUVEST) É correto afirmar que, em Morte e Vida Severina:
a) A alternância das falas de ricos e de pobres, em contraste, imprime à
dinâmica geral do poema o ritmo da luta de classes.
b) A visão do mar aberto, quando Severino finalmente chega ao Recife,
representa para o retirante a primeira afirmação da vida contra a morte.
c) O caráter de afirmação da vida, apesar de toda a miséria, comprova-se pela
ausência da ideia de suicídio.
d) As falas finais do retirante, após o nascimento de seu filho, configuram o
“momento afirmativo”, por excelência, do poema.
e) A viagem do retirante, que atravessa ambientes menos e mais hostis,
mostra-lhe que a miséria é a mesma, apesar dessas variações do meio
físico.
9. (FUVEST) É correto afirmar que no poema dramático Morte
e Vida Severina, de João Cabral de Melo Neto:
a) A sucessão de frustrações vividas por Severino faz dele um exemplo típico de
herói moderno, cuja tragicidade se expressa na rejeição à cultura a que
pertence.
b) A cena inicial e a final dialogam de modo a indicar que, no retorno à terra
de origem, o retirante estará munido das convicções religiosas que adquiriu com
o mestre carpina.
c) O destino que as ciganas prevêem para o recém-nascido é o mesmo que Severino
já cumprira ao longo de sua vida, marcada pela seca, pela falta de trabalho e
pela retirada.
d) O poeta buscou exprimir um aspecto da vida nordestina no estilo dos autos
medievais, valendo-se da retórica e da moralidade religiosa que os
caracterizam.
e) O “auto de natal” acaba por definir-se não exatamente num sentido
religioso, mas enquanto reconhecimento da força afirmativa e renovadora
que está na própria natureza.
10. (PUCCamp) A leitura integral de Morte e Vida Severina,
de João Cabral de Melo Neto, permite a correta compreensão do título desse
“auto de natal pernambucano”:
a) Tal como nos Evangelhos, o nascimento do filho de Seu José anuncia um novo
tempo, no qual aexperiência do sacrifício representa a graça da vida eterna
para tantos “severinos”.
b) Invertendo a ordem dos dois fatos capitais da vida humana, mostra-nos o
poeta que, na condição “severina”, a morte é a única e verdadeira libertação.
c) O poeta dramatiza a trajetória de Severino, usando o seu nome como adjetivo
para qualificar asublimação religiosa que consola os migrantes nordestinos.
d) Severino, em sua migração, penitencia-se de suas faltas, e encontra o
sentido da vida na confissão finalque faz a Seu José, mestre capina.
e) O poema narra as muitas experiências da morte, testemunhadas pelo
migrantes, mas culmina com a cena de um nascimento, signo resistente da vida
nas mais ingratas condições.
11. (UEL) Em Morte e Vida Severina, de João
Cabral de Melo Neto, a palavra "severino(a)" apresenta-se como
substantivo próprio, substantivo comum e adjetivo. Tal fato ocorre porque,
nessa obra, a palavra "severino(a)":
a) Designa aquele que fala, além de outras personagens que, em virtude das
dificuldades impostas pela vida, caracterizam-se por assumir a disciplina como
norma de conduta. O termo qualifica a existência como permanente cuidado de não
se expor a repreensões e censuras.
b) Designa a individualidade austera do protagonista e a individualidade
flexível de outros homens e mulheres escorraçados do sertão pela seca. O termo
qualifica a existência como busca constante de superação das dificuldades.
c) Designa o protagonista como ser inflexível, bem como outros retirantes que
também se caracterizam pela rigidez diante da vida. O termo qualifica a
existência como possibilidade de impor condições com rigor.
d) Designa aquele que fala, além de outros homens e mulheres que se
caracterizam pelo rigor consigo mesmos e com os outros. O termo qualifica a
existência humana como marcada pela austeridade nas opiniões.
e) Designa aquele que fala, o protagonista do auto, bem como os retirantes
que, como ele, foram escorraçados do sertão pela seca e da terra pelo
latifúndio. O termo qualifica a existência como realidade dura, áspera.
12. (UFOP) A partir da leitura de
Morte e vida severina, de João Cabral de Melo Neto, é correto afirmar que:
a) trata-se de um texto exclusivamente narrativo, uma vez que traz o relato dos
episódios de uma viagem da personagem Severino do sertão até o mar.
b) trata-se de um texto exclusivamente dramático, uma vez que é composto de
falas das personagens, além de comportar rubricas com marcações cênicas bastante
nítidas.
c) trata-se de um texto exclusivamente lírico, uma vez que apresenta o discurso
individual de Severino, que fala de si todo o tempo.
d) trata-se de um texto cuja classificação é de tragédia pura e simples.
e) trata-se de um texto cujo gênero é múltiplo, por não se prender
exclusivamente a nenhum.
13. (UFOP) A respeito de Morte e
vida severina, de João Cabral de Melo Neto, é incorreto dizer que:
a) a mudança de categoria gramatical (substantivo / adjetivo) do nome Severino
/ Severina corresponde certamente a uma mudança na categoria social do
protagonista.
b) Morte e vida severina poderia intitular-se Vida e morte severina pelo
desenvolvimento da narrativa.
c) o texto adquire dimensões universais, por ampliar significativamente o drama
dos desvalidos, apesar de apresentar um tema eminentemente regional.
d) uma sensível diferença existe no ritmo da narrativa: o da viagem, lento e
arrastado, correspondendo à morte, e o do auto natalino, mais leve e ágil,
correspondendo à vida.
e) as formas discursivas presentes no texto são diversas, notadamente os
monólogos, diálogos, lamentos e elogios.
14. (UNIOESTE) Em relação à peça Morte e Vida Severina, de João
Cabral de Melo Neto, todas as afirmativas abaixo são válidas, EXCETO
A) O fato em Morte e Vida
Severina que comprova o
subtítulo “auto de Natal” do poema-peça é o nascimento de um menino. B) Em Morte e Vida Severina, João
Cabral de Melo Neto apresenta uma atitude de resignação e conformismo ante as
desgraças e desesperos dos muitos Severinos.
C) O êxodo do sertão em busca do litoral não é uma solução para o retirante,
pois na cidade grande encontra sempre a mesma morte severina, como revelam os
dois coveiros.
D) Na cidade grande, quando não encontra uma morte severina, tem que levar uma
vida severina, vivendo no meio da lama, comendo os siris que apanha em mocambos
infectos.
E) A problemática apresentada em Morte
e Vida Severina é basicamente
de caráter social e envolve a caótica e degradante situação do homem
nordestino, vitimado pelas secas, pela fome e pela miséria.
Questão 15 : O
excerto seguinte, extraído do poema Morte e vida severina, foi musicado por
Chico Buarque de
Holanda. Leia-o,
atenciosamente; a seguir, assinale a alternativa em que os fragmentos,
considerados no
contexto global do excerto, NÃO traduzem
ideias semelhantes àquelas
encerradas nos
versos em destaque:
Essa cova em que
estás,
com palmos medida,
é a conta menor
que tiraste em
vida.
É de bom tamanho,
nem largo nem
fundo,
é a parte que te
cabe
deste latifúndio.
Não é cova grande,
é cova medida,
é a terra que
querias
ver dividida.
É uma cova grande
para teu pouco
defunto,
mas estarás mais
ancho
que estavas no
mundo.
É uma cova grande,
para teu defunto parco,
porém mais que no
mundo
te sentirás largo.
MELO NETO, J. Cabral. Morte e vida
severina. Rio de Janeiro: Objetiva, 2007. p. 108.
a) “Aí ficarás
para sempre,
livre do sol e da
chuva,
criando tuas
saúvas.”
b) “Trabalharás
uma terra
da qual, além de
senhor,
serás homem de
eito e trator.”
c) “De tanto te
despiu a privação
que escapou de teu
peito a viração.”
d) “E agora, se
abre o chão e te abriga,
lençol que não
tiveste em vida.”
e) “Se abre o chão
e te envolve,
como mulher com
quem se dorme.”
Questão 16: Acerca
da obra, como um todo, assinale a afirmação VERDADEIRA.
a) Severino emigra
do sertão para o Recife porque nunca foi um homem afeito às agruras da vida
sertaneja.
b) Na zona da
mata, apesar de condições climáticas mais favoráveis, a situação não é muito
diferente daquela
que Severino
deixou para trás.
c) O que motivou
Severino a emigrar para o Recife foram as grandes ilusões que ele nutria em
relação à capital
pernambucana.
d) No desfecho, as
duas ciganas vaticinam destinos completamente diferentes para a criança
recém-nascida:
uma prevê riqueza;
a outra, miséria.
e) O mestre
carpina, com sua visão pessimista da vida, é mais um fator a contribuir para
que Severino se decida
pelo suicídio.