sexta-feira, 6 de abril de 2012

O foco narrativo

O FOCO NARRATIVO
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Estudos Literários

Foco Narrativo ou Ponto de Vista do Narrador constitui-se o ângulo visual do narrador, em outras palavras, a posição narrador em relação ao fato narrado. Portanto, a narrativa pode ser feita por alguém que participou do fato (1ª pessoa), ou por alguém que apenas presenciou o fato (3ª pessoa). Os críticos norte-americanos, Cleanth Brooks e Robert Pen, estabeleceram um quadro sinótico formado por quatro focos narrativos:
1. A personagem principal conta sua história - foco narrativo na primeira pessoa ou interno.
2. Uma personagem secundária conta a história da personagem principal - foco narrativo na primeira pessoa ou interno.
3. O Narrador conta a história como observador - foco narrativo na terceira pessoa ou externo.
4. O escritor, analítico ou onisciente (sabedor de tudo), no papel de narrador, conta a história - foco narrativo na terceira pessoa.
Veremos, a seguir, que cada um desses focos trará vantagens e desvantagens ao ficcionista, pois irão favorecer ou limitar seu ângulo visual em ralação ao panorama da história. O escritor terá de optar por um deles. E se a opção se ajustar à história a ser narrada, é o quanto basta pare ele, ficcionista, e para nós leitores.
a) O Foco Narrativo Será Interno ou na Primeira Pessoa (eu), se o narrador participa dos acontecimentos da história. É, portanto, um narrador com dupla função, ou seja: é narrador e personagem ao mesmo tempo. No geral, ele será protagonista; visto que, como personagem secundário (que conta a história do protagonista), raramente é usado. Sendo protagonista, o narrador recebe melhor destaque. No entanto, a área da narrativa fica circunscrita exclusivamente ao narrador, isto é, um tanto limitada, pois se trata de sua história. No trecho abaixo, extraído do conto Missa do Galo, de Machado de Assis, temos um bom exemplo do foco narrativo interno:
"Nunca pude entender a conversação que tive com uma senhora, há muitos anos, contava eu dezessete, ela trinta. Era noite de Natal. Havendo ajustado com um vizinho irmos à missa do galo, preferi não dormir (...)."
Neste parágrafo de abertura do conto, já é possível identificar o foco narrativo que fica evidente pela flexão dos verbos: pude, tive, contava (eu: 1ª pessoa). Além disso, o parágrafo nos permite, também, concluir que o narrador é o protagonista do conto. Temos, portanto, um narrador que nos conta sua história.
 Nas narrações em primeira pessoa, o narrador protagonista tem uma visão própria, individual dos fatos. O que implica em uma visão muito reduzida das coisas, porque ele se vê impossibilitado de dispensar às demais personagens a mesma atenção que dispensa a si próprio. A principal característica desse foco narrativo é, então, a visão subjetiva e limitada que o narrador tem dos fatos.
É o caso da personagem-narrador Bentinho, do romance Dom Casmurro, de Machado de Assis: Capitu, sua mulher, o traiu? Bentinho acredita que sim. Mas nós leitores, não podemos ter certeza disso, uma vez que o fato nos é narrado pelo marido, que se julga traído. Tudo o que sabemos nos chega filtrado pelos sentimentos do Bentinho, incapaz de analisar os fatos com isenção. Por outro lado, esse ângulo de visão, tem suas vantagens. A história ganha, aos olhos do leitor, maior verossimilhança, devido à narrativa não precisar de intermediário: o personagem-narrador que "viveu" a história conta-a diretamente ao leitor; e dá a este a impressão de ser o exclusivo confidente do caso.
b) O Foco Narrativo Será Externo ou na Terceira Pessoa se o narrador somente observou, testemunhou os acontecimentos. Assim, a narrativa será feita por um narrador-observador. O narrador, agora, não simula um indivíduo, vê-se compelido a contar apenas o que observou. Não conhece o pensamento, nem o passado das personagens. Não invade o íntimo da personagem para comentar o comportamento dela. Exprime uma visão incompleta porque narra à história como mero expectador; seu relato tende a ser mais imparcial e objetivo. Observe:
"Ninguém ali sabia ao certo se a Machona era viúva ou desquitada, os filhos não se pareciam um com os outros. A Das Dores sim afirmavam que fora casada e que largara o marido, para meter-se com um homem do comércio [...]". (Aluísio de Azevedo, O Cortiço)
Neste fragmento, percebe-se que o narrador-observador desconhece o passado das personagens, baseia-se naquilo que observa e nas afirmações das outras personagens.
 O narrador-intruso, uma variante de narrador em 3ª pessoa, mesmo não sendo personagem, não participando da história, "tece" comentários em primeira pessoa, ou seja, fala com o leitor ou julga diretamente o comportamento das personagens. Observe no trecho deQuincas Borba, de Machado de Assis, p. 214, a intrusão do narrador:
"Queria (eu) dizer aqui o fim de Quincas Borba, que adoeceu (ele), fugiu desvairado em busca do dono, e amanheceu morto na rua, três dias depois."
 O narrador-parcial (outra variante) se identifica com determinada personagem da história e, mesmo não a defendendo explicitamente, permite que ela tenha maior destaque na história. É o que ocorre no romance Capitães da Areia, de Jorge Amado, no qual o narrador se identifica com os heróis da história, em especial, com Pedro Bala, contrariando as demais personagens que os vê como bandidos.
c) O Foco Narrativo Externo Onisciente – A diferença entre este foco narrativo e o anterior está na onisciência (que tem ciência de tudo) do narrador, ou seja, ele vê o que ninguém tem condições de ver. Ele é um demiurgo (um deus que tudo sabe). Não seria sem razão dizer que o escritor tornou-se o narrador, pois, é ele quem tem conhecimento de tudo:
"Acompanha os personagens a todos os lugares, entra-lhes na mais recôndita intimidade, como um agudíssimo olho secreto devassa-lhes o mundo psicológico [...]." (Massaud Moisés, A Criação Literária).
Reparem em Senhora, de José de Alencar, como o narrador onisciente "lê" os sentimentos, os desejos mais íntimos da personagem. Ele "vê" o que ninguém tem condições de ver: o mundo interior da personagem e sabe a consequência de seu ato no futuro. O narrador detém o controle absoluto do texto porque nele se esconde o escritor:
"Aurélia concentra-se de toda dentro de si; ninguém ao ver essa gentil menina, na aparência tão calma e tranquila, acreditaria que nesse momento ela agita e resolve o problema de sua existência; e prepara-se para sacrificar irremediavelmente todo o seu futuro."
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